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Terra arrasada: onde nascem os problemas nos licenciamentos ambientais do Ceará
Reportagem Seriada

Terra arrasada: onde nascem os problemas nos licenciamentos ambientais do Ceará

Ambientalistas apontam problemas em todas as fases do processo de licenciamento no Ceará. PEC e Projeto de Lei propõem maior restrição nos licenciamentos municipais. No meio do imbróglio, O POVO+ busca investigar: em qual etapa do processo estão ocorrendo as fraudes? Como podemos mudar um problema histórico?
Episódio 2

Terra arrasada: onde nascem os problemas nos licenciamentos ambientais do Ceará

Ambientalistas apontam problemas em todas as fases do processo de licenciamento no Ceará. PEC e Projeto de Lei propõem maior restrição nos licenciamentos municipais. No meio do imbróglio, O POVO+ busca investigar: em qual etapa do processo estão ocorrendo as fraudes? Como podemos mudar um problema histórico?
Episódio 2
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Para além do desmatamento ilegal, obras licenciadas no Ceará são permeadas por irregularidades, investigações e operações. À vista de todos, a caatinga tornou-se o que resiste em meio ao fogo das queimadas ao longo da estrada. A Mata Atlântica virou a vegetação que rodeia condomínios ou chalés. As dunas são as areias que marcamos com pneus de bugs e as praias são o que conseguimos alcançar após metros de canteiros de obras e resorts.

 

 

O cenário vai do litoral ao Cariri, da Ibiapaba à divisa com o Rio Grande do Norte. Placas brancas com as licenças brilham ao lado de mineradoras poluentes, de empreendimentos que sufocam ninhos de espécies em extinção, de construções em locais protegidos.

No primeiro episódio deste especial, O POVO+ trouxe um levantamento inédito de casos históricos de irregularidades em licenças ambientais, seguidas de poluição de rios, dificuldades respiratórias, doenças, ameaças a animais e à vegetação.

Nesta segunda parte, investigamos a “cadeia” das licenças para tentar responder às perguntas: como pode tanta obra irregular estar licenciada? Em qual etapa do processo estão ocorrendo as fraudes? Como podemos mudar isso?

 

 

"Isso é uma quarta-feira no meu trabalho"

O levantamento inédito do O POVO+, sobre os casos de licenças irregulares concedidas no Ceará, causou uma reação inesperada nos ambientalistas, fiscais e demais defensores do meio ambiente ouvidos. Em vez de surpresa, tomaram a situação com “costume”. “Isso é uma quarta-feira no meu trabalho”, comentou Thieres Pinto, biólogo.

Juca Alencar, diretor de fiscalização do Ibama, chegou a citar a situação como uma “quadrilha”. Ele justificou a expressão com um caso em São Benedito, em 2024, no qual fora convocado após denúncias de ampla supressão vegetal irregular no ecossistema da cidade.

ParaTodosVerem: imagem mostra, à esquerda, Thieres Pinto, biólogo. Ele está de frente, usa uma camisa estampada de listras. Usa uma boina. É um homem branco com barba grisalha. À direita, está Juca Alencar, diretor de fiscalização do Ibama. Ele está em primeiro plano. Atrás está o mar. Usa um boné e camisas verdes(Foto: Arquivo Pessoal/Thieres Pinto/Arquivo Pessoal/Juca Alencar)
Foto: Arquivo Pessoal/Thieres Pinto/Arquivo Pessoal/Juca Alencar ParaTodosVerem: imagem mostra, à esquerda, Thieres Pinto, biólogo. Ele está de frente, usa uma camisa estampada de listras. Usa uma boina. É um homem branco com barba grisalha. À direita, está Juca Alencar, diretor de fiscalização do Ibama. Ele está em primeiro plano. Atrás está o mar. Usa um boné e camisas verdes

Mais de dois hectares - mais ou menos dois campos de futebol - estavam desmatados em um estágio avançado de Mata Atlântica. Com altura de até 30 metros, o desmatamento ultrapassava e muito o permitido com licenciamentos estaduais.

E, no entanto, a obra fora autorizada pela Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace). A autorização, requerida por um empreendedor, recebera o aval de um projeto técnico que continha dados incorretos da mata a ser retirada. O documento foi analisado juridicamente por um advogado e enviado ao Estado. Ou seja, todos os atores teriam tido acesso e, mesmo assim, tudo fora aprovado.

Neste caso em específico, houve autuação e a licença foi desconsiderada. O empreendimento não apenas foi multado, como teve de recuperar os danos causados no meio ao redor. “Me sentei e disse: rapaz, vocês aqui estão com formação de quadrilha”, comentou.

ParaTodosVerem: A imagem mostra Cecília Paiva, advogada do Escritório Frei Tito. Ela está sentada em frente ao mar. É uma mulher branca, tem os cabelos ruivos cacheados e usa óculos(Foto: Arquivo Pessoal/Cecília Paiva)
Foto: Arquivo Pessoal/Cecília Paiva ParaTodosVerem: A imagem mostra Cecília Paiva, advogada do Escritório Frei Tito. Ela está sentada em frente ao mar. É uma mulher branca, tem os cabelos ruivos cacheados e usa óculos

Casos assim foram comuns na apuração desta reportagem. E, em comum também, os ambientalistas também citaram desespero. Participante do Escritório Frei Tito, a advogada Cecília Paiva narrou as dificuldades para conseguir contestar as licenças concedidas. Disse ter sido ignorada por mais de um ano e ter se deparado com equipes despreparadas.

Ao mesmo tempo, via as consequências de uma mineração intensa ou despejo de agrotóxicos na população que gritava por ajuda. Apesar dos esforços, ambos os casos detalhados por ela para nós - respectivamente Quiterianópolis e Tabuleiro do Norte, seguiram tão autorizados como estavam no começo.

 

 

Como funciona o licenciamento - e onde estariam as fraudes

O processo de licenciamento é previsto em lei e envolve inúmeros atores e fases para a concessão. Em resumo, funciona da seguinte forma: os interessados apresentam um estudo/laudo para o órgão licenciador.

No Ceará, esse órgão pode ser municipal, a Semace ou - mais raramente - o Ibama. Os municípios cuidam de questões de impacto local, enquanto a Semace cuida do regional.

No âmbito federal, Deodato Ramalho, superintendente do Ibama explicou que as atribuições do órgão no licenciamento se limitam a grandes atividades como "intervenções no mar continental e energia nuclear". 

 

O que cada ente pode licenciar


As licenças, vale lembrar, devem respeitar outras leis de proteção a determinados biomas. Um exemplo são as Área de Preservação Permanente (APP) e Área de Proteção Ambiental (APA), que têm leis (e punições) específicas para intervenções. Áreas de Mata Atlântica também têm proteção especial.

 

Áreas protegidas no Ceará

 

Os agentes recebem o documento apresentado pelos interessados, avaliam os possíveis danos e permitem ou não a licença. Depois, os mesmos órgãos devem promover ações de fiscalização das obras autorizadas.

Dos empreendedores aos municípios, à Semace e ao Governo do Estado. Há pontos a serem comentados em todas as fases. Vamos, então, por etapas.

 

 

Estudo falso aprovado

Em casos de grandes intervenções, os empreendedores ou moradores precisam, por si só, apresentar um estudo com os motivos do licenciamento e os impactos ambientais e legais que ele pode causar. A equipe costuma envolver o interessado, técnicos ambientais e advogados.

Há registros de irregularidades em licenças geradas já nesse estágio inicial, algo supostamente recorrente. Thieres Pinto, biólogo, trabalha com estudos ambientais para empresas há 20 anos e cita como um “sofrimento” os causos de fraude entre os estudos de colegas.

Ele diz ter presenciado materiais, que demorariam meses, serem entregues em 15 minutos e narrou ter tomado conhecimento de “estudos por observação”, ou seja, constatações feitas no olhômetro. Como exemplo, contou de uma eólica, cujo biólogo, por ter “avistado morcegos nas localidades”, constatou que o empreendimento não fazia mal à existência deles.

“Eu sou super desiludido, porque quero fazer um trabalho direito. (Há muitos) que gostam só de dinheiro e o pior, essa galera nem ganha dinheiro. Tem um outro que ganha dinheiro!”, narra ele.

 

Alguns relatos de irregularidades teriam se dado em Trairi. Município tem duas áreas de uso sustentável

 

O POVO+ teve acesso a um registro documental de fraude desta natureza. Um projeto da Unique Invest – Empreendimentos Imobiliários Ltda, em Trairi, foi identificado como fraudulento pelo Conselho de Políticas e Gestão do Meio Ambiente da Semace. Caso ocorreu em 2015.

A pesquisa preliminar, feita por uma empresa de engenharia ambiental, plagiou parágrafos e páginas de outra licença, segundo a Semace. Enquanto a original envolvia a instalação de uma eólica, a falsa mirava construções de empreendimentos.

A Superintendência ainda apontou páginas em falta, carência de detalhes quanto aos riscos e impactos ambientais. Ao todo foram 40 pontos de observação no estudo.

Mas, grandes estragos já estavam feitos. A localização do plágio ocorreu cerca de dois anos depois deste material - com todas as falhas - ter sido autorizado pela própria Semace.

Informações recebidas pelo OP+ apontam que 1.000 hectares de floresta de Tabuleiro foram desmatadas no local indicado pelo estudo. O território abrigava lagartixas-da-mata, espécie considerada “criticamente em perigo” de extinção.

A reportagem tentou contato com a empresa por meio dos telefones de final 57 e 58. Não houve retorno até o momento. O espaço está aberto.

 

 

Irregularidades nas autorizações aos municípios

O estudo técnico precisa ter o aval dos empreendedores interessados e do jurídico. Eles analisarão as consequências legais da área em questão. A seguir, o documento é repassado para o órgão responsável - municípios ou Semace. Primeiro, focaremos nos licenciamentos locais.

As três instâncias trabalham em conjunto, em um complemento legal. As leis locais funcionam em reforço ao determinado no nível acima. Ou seja, os municípios podem somente restringir ainda mais a proteção.

Os municípios precisam pedir autorização para licenciar. Os pedidos encaminhados precisam passar por uma primeira aprovação no Conselho Estadual do Meio Ambiente (Coema) que, por sua vez, recebe o aval da Superintendência estadual.

A decisão do Coema para os municípios deve ser baseada em critérios. Caso não sejam cumpridos, a autorização de determinadas localidades pode ser vetada. Dentre os aspectos: deve haver um órgão com funcionários concursados, conselho e técnicos.

Ou seja, não é todo mundo que licencia, mas no Ceará a maioria pode. Levantamento atualizado da Semace indica 109 municípios com órgãos licenciadores, sejam eles secretarias municipais, institutos ou autarquias.

Municípios com autorização para licenciar no Ceará


Em meio ao imbróglio de Guaramiranga, Deodato Ramalho, superintendente do Ibama no Ceará, apresentou-se um crítico contundente ao cenário de licenciamento ambiental pelos municípios. Chegou a dizer que “se dez municípios (dos autorizados) tiverem a estrutura adequada para licenciar é muito”.

“Quando falo é com base na experiência concreta de conhecer, conversar com os municípios. Por exemplo, essa questão mesmo da autorização de supressão vegetal. Tem muitos municípios que estão fazendo o licenciamento ambiental, mas não fazem a supressão vegetal "Municípios precisam estar vinculados ao Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor) para manejo de uso florestal. Programa tem orientação do Ibama" ”, explicou ao O POVO+.

Quanto à estrutura, operações e investigações indicaram que alguns municípios não têm equipe adequada para analisar os licenciamentos. Falta de estrutura se refere aos profissionais que analisam os pedidos dos interessados.

É o caso de Marco, no Litoral de Camocim. Por lá, o Ministério Público pediu, no início de 2025, que o órgão municipal fosse declarado "incapacitado" para licenciar até que realizasse concurso público para os cargos técnicos. O município alegou prejuízos aos cofres públicos e não acatou a orientação, o que gerou uma Ação Civil Pública (ACP) do MP. 

O caso não é isolado e, somente no ano passado, o Ministério apontou irregularidades em órgãos de 12 municípios do litoral cearense. 

 

Litoral concentra focos de problemas com licenças

 

A reportagem ainda coletou casos de "estranhezas" em outros aspectos nos órgãos municipais, identificados em operações. Em Tabuleiro do Norte, no Vale do Jaguaribe, a então gestão apresentou um documento sem os cargos pré-estabelecidos e chamamento de concurso público para o órgão ambiental em questão.

Ou seja, as irregularidades na cidade teriam surgido no momento de solicitação da autorização para licenciar - o município pedindo para a Semace. Mesmo assim, o documento foi aprovado e a Prefeitura licencia até hoje. Caso foi detalhado no episódio 01 deste especial.

Pontos questionáveis das licenças municipais também surgem em uma simples leitura da lista de órgãos autorizados. Em 38 municípios com órgãos licenciadores, o prefeito consta como representante legal. Não são informados nomes de coordenadores ou secretários capacitados, conforme solicita o Coema.

Mais que isso, antes da mais recente atualização da lista pela Semace, dois ex-prefeitos multados pelo Ibama constavam como responsáveis legais, ou seja, eram reconhecidos pela Semace e respondiam pelos órgãos ambientais das cidades. 

A diretora de licenciamento da Semace, Najara Lima, disse ser natural que prefeitos sejam os responsáveis legais, uma vez que são "quem responde pelo município".

 

Prefeitos multados eram representantes legais, reconhecidos pela Semace, de órgãos ambientais municipais

 

 

Em outros casos, o órgão licenciador consta como sendo a "Prefeitura Municipal". "Não seria o caso de ser o órgão licenciador?", questionou a reportagem, o que foi respondido por Najara Lima: "É, pela resolução do Coema precisa ser um órgão. Provavelmente muitas vezes se coloca a Prefeitura, porque está requerendo a possibilidade de estar atuando. A Prefeitura solicitou, mas não quer dizer que ela não tenha o órgão específico".

"Mas isso não deveria constar no site para ficar mais transparente?", acrescentamos. "É.. porque aí a gente tem referência direcionada exatamente para um órgão específico", reconheceu a técnica.

 

 

A carência na Semace e a "flexibilização" do Governo do Ceará

A Semace tem importância central no processo de licenciamento no Ceará. Não apenas o órgão concede as licenças para obras de impacto regional, como autoriza os municípios que, por sua vez, cuidam das questões de impacto local.

Dos 17 municípios que O POVO+ identificou com indícios de irregularidades em casos de licenças , sete se tratam de autorizações expedidas pela Semace - sozinha ou em conjunto com os municípios. 

Alguns casos, como em certos empreendimentos na região do Maciço de Baturité, além do caso de São Benedito, foram apontados por Juca Alencar - diretor fiscal do Ibama - como claramente irregulares desde o início. Segundo ele, as leis de proteção à Mata Atlântica estariam descumpridas.

Deodato Ramalho, superintendente também do Ibama, declarou que autuações do Ibama que miraram licenças da Semace, na verdade, se trataram de desrespeitos às autorizações concedidas. Ele citou exemplos de empreendimentos que haviam construído além do terreno indicado.

Carlos Alberto Mendes Júnior, ex-superintendente da Semace                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       (Foto: Beatriz Boblitz)
Foto: Beatriz Boblitz Carlos Alberto Mendes Júnior, ex-superintendente da Semace

O mesmo foi defendido por Carlos Alberto Mendes Júnior, superintendente da Semace na época da operação Mata Atlântica em Pé de 2024 - na qual ocorreram as autuações citadas por Juca. "Não foi apresentada nenhuma licença irregular, porque não existe. O trabalho realizado pela equipe é muito sério e tem autorização do município e da unidade de conservação, que é gerida pela a Sema", começou ele.

E completou: "Agora o que foi identificado foram obras que não respeitaram a licença emitida, fizeram em desacordo com o que havia sido autorizado, além de obras irregulares sem qualquer licenciamento".

Carlos Alberto deixou a Semace em abril de 2025. Saída ocorreu no momento de ebulição causada após o pedido de autorização de licenciamento municipal pela Prefeitura de Guaramiranga. O ex-titular nega relações do caso com o encerramento do mandato. 

"Na verdade foi um pedido meu. Vi que já era hora de sair. Já estava há sete anos no cargo e sempre achei que as mudanças são importantes para oxigenar a gestão e ter novas ideias", disse. 

O mesmo foi alegado pelo governador Elmano de Freitas (PT). "Ele estava lá há muito tempo, estava cansado, queria sair". "Muita demanda, muita pressão de prazos. Mas, recebi muitos elogios de colegas sobre como a Superintendência do Ceará dá respostas rápidas", acrescenta.

No cargo, ficou João Gabriel Laprovítera Rocha, ex-presidente da Agência Reguladora do Estado do Ceará (Arce). Foi, na verdade, uma troca e Carlos Alberto segue para a Arce.

A escolha de Rocha foi justificada por Elmano. "Achei uma solução positiva. Nosso presidente é uma pessoa muito preparada, jovem, parceira".

ParaTodosVerem: imagem do governador Elmano de Freitas, em visita à redação do jornal O Povo. O gestor é um homem pardo, de cabelos pretos, com fios grisalhos. Usa uma camisa de botação verde(Foto: JÚLIO CAESAR)
Foto: JÚLIO CAESAR ParaTodosVerem: imagem do governador Elmano de Freitas, em visita à redação do jornal O Povo. O gestor é um homem pardo, de cabelos pretos, com fios grisalhos. Usa uma camisa de botação verde

Estando irregulares desde o início ou desrespeitadas após uma autorização regular, quaisquer intervenções na natureza precisam de fiscalização. A reportagem se deparou com placas e licenças vencidas, construções para além do permitido, uso de agrotóxicos em local vetado, dentre outros.

Estes problemas não nascem no processo de licenciamento, mas depois que os empreendimentos já estão funcionando. A localização das irregularidades se deu apenas com fiscalização de moradores, ambientalistas e representantes dos órgãos.

Conforme Deodato Ramalho, a atividade também é compartilhada entre os entes. "A fiscalização quem faz é o Ibama e a Semace. O município também tem atribuição de fazer fiscalização, mas é obvio que se um município fizer um licenciamento indevido, não vai fiscalizar", explicou.

A ação de licenciamento da Semace, com cobertura para o Ceará inteiro, está a cargo de 113 servidores - fiscais e gestores ambientais. O órgão estadual funciona com 94, o que representa um déficit de 19 funcionários.

Informações são referentes ao último concurso da Semace, realizado em 2022 - cujo resultado foi divulgado em 2024. O POVO+ contatou a Secretaria do Planejamento e Gestão do Ceará (Seplag-CE) para mais informações sobre o concurso e perspectivas de futuras convocações. Não houve retorno.

 

Informações sobre técnicos da Semace

 

Situação leva a um grau acima: o Governo. Em vez de reforço à fiscalização, no âmbito de proposição de leis, destacam-se duas grandes medidas voltadas para flexibilização do licenciamento ambiental no Ceará. Ambas foram sancionadas no atual Governo.

ParaTodosVerem: imagem ilustrativa de um drone de agrotóxicos. O objeto aparece despejando jatos de veneno sobre uma plantação verde(Foto: Jacto/Divulgação)
Foto: Jacto/Divulgação ParaTodosVerem: imagem ilustrativa de um drone de agrotóxicos. O objeto aparece despejando jatos de veneno sobre uma plantação verde

A primeira reformulou regras para a emissão de licenças. A medida foi proposta pela Semace e aprovada pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente (Coema) em 2019.

Na época, a Superintendência justificou que seriam incluídos apenas "empreendimentos de baixo potencial poluidor-degradador" como lava-jatos, supermercados, padarias, alguns tipos de fábrica, oficinas mecânicas, praças públicas, areninhas, estação de abastecimento de água, parques eólicos e hotéis.

A norma foi sancionada em 2023, mas o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, vetou alguns incisos referentes a agrotóxicos e mais possibilidades de flexibilização. A ação representa liminar parcialmente favorável a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta pelo Psol. A ADI segue no STF.

A segunda grande flexibilização ocorreu no fim de 2024. O Governo sancionou um Projeto de Lei (PL) que altera a Lei Zé Maria do Tomé, de proibição a agrotóxicos no Ceará. O PL que autoriza o uso de drones para a pulverização.

Consequências deste projeto e demais aspectos sociais e políticos dos agrotóxicos foram retratadas em série especial do O POVO+.

 

 

PEC da Alece e perspectivas de futuro

Nenhuma das fontes ouvidas pela reportagem é favorável ao fim do licenciamento municipal ou a quaisquer restrições nos moldes atuais. Mesmo os críticos - ambientalistas, fiscais, técnicos ambientais e políticos - defendem o seguimento da lei, desde que respeitada e reforçada.

Em princípio, somente o Ibama e estados credenciados podiam emitir este tipo de licença. A perspectiva mudou com a Lei Complementar 140 de 2011, que estabeleceu uma cooperação entre a União, os Estados e os Municípios nas ações de proteção do meio ambiente.

Somente em 2019, vem a Resolução Coema nº 02, de 11 de abril. São 41 artigos e anexos, que permitem com procedimentos, critérios, parâmetros e custos aplicados aos processos de licenciamento e autorização ambiental.

 

Evolução da legislação de licenciamento ambiental no Ceará

 

O problema não seria a configuração da norma, mas um desrespeito a ela. Pouco após do imbróglio de Guaramiranga, ambientalistas, associações e coletivos divulgaram uma carta aberta pedindo mudanças.

Os grupos alegaram, no texto, "que os municípios estão licenciando atividades de elevado impacto ambiental sem que essas condições mínimas sejam asseguradas, e sem que a Secretaria do Meio Ambiente do Ceará (Sema) realize controle sobre essa situação inaceitável".

O resultado, segundo eles, "tem sido uma gestão ambiental degradadora, criminosa e ilegal por parte da maioria dos municípios que já estão realizando o licenciamento ambiental, com inegável impacto sobre a natureza e sobre as comunidades que dela dependem". 

Como consequência, "exigem" fiscalização por parte da Semace, do Coema e da Secretaria do Meio Ambiente e Mudança do Clima (Sema). Também demandam o mesmo ao Ministério Público Estadual (MPE) e ao Ministério Público Federal (MPF). 

 

Houve reação no legislativo estadual. Uma Proposta de Emenda à Constituição Estadual (PEC 02/2025), de autoria do deputado Renato Roseno (Psol) foi aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece), no início de abril de 2025.

O intuito, segundo o deputado, seria "pavimentar a Lei Complementar 140, dando a ela status de norma constitucional estadual". "Nós defendemos que obras de impacto local, um posto de gasolina, uma casa, podem ser licenciadas pelos municípios. O que a gente colocou foi constitucionalizar", explica.

No fim do mesmo mês, um Projeto de Lei (PL 281/2025) também relacionado às licenças foi aprovado na Alece. A proposta é do presidente da Casa, Romeu Aldigueri (PSB) e estabelece critérios para que as Prefeituras possam expedir o licenciamento ambiental.

“Esse projeto garante segurança jurídica e técnica no processo de descentralização do licenciamento ambiental, fortalecendo a capacidade dos municípios que estejam preparados para assumir essa responsabilidade, sem comprometer a proteção dos nossos recursos naturais”, apontou Aldigueri, na justificativa.

ParaTodosVerem: montagem traz as imagens de dois parlamentares. À esquerda, Renato Roseno. É um homem branco, de óculos e cabelos escuros. Usa um terno cinza. À direita, Romeu Aldigueri. Homem branco, cabelos pretos e terno azul com camisa branca(Foto: AURÉLIO ALVES/O POVOFCO FONTENELE/O POVO)
Foto: AURÉLIO ALVES/O POVOFCO FONTENELE/O POVO ParaTodosVerem: montagem traz as imagens de dois parlamentares. À esquerda, Renato Roseno. É um homem branco, de óculos e cabelos escuros. Usa um terno cinza. À direita, Romeu Aldigueri. Homem branco, cabelos pretos e terno azul com camisa branca

Moradores e ambientalistas ouvidos divergem quanto às perspectivas de futuro. Há quem, como o biólogo Thieres Pinto, seja menos esperançoso com eventuais mudanças. "Porque eu já sofri muito com isso. Acho que eu sou uma péssima pessoa para falar disso. Eu não acredito que isso mude tão cedo, porque assim, é uma cadeia", alegou.

Já Renato Roseno cita a situação como de via única: não temos escolha a não ser melhorar o paradigma: "um paradigma produtivista e de uma acumulação ilimitada. A natureza em pé é mais valiosa do que a natureza morta. No dia que a natureza estiver toda morta, talvez os seres humanos aprendam que eles não vivem sem ela". 

 

 

Metodologia

Os dois episódios deste especial foram apurados e escritos em conjunto. No ensejo do pedido de criação da autarquia municipal de Guaramiranga, a reportagem recebeu atualizações sobre a antiga mineradora de Quiterianópolis, um problema em seguimento.

Informações do Ibama ainda revelaram um cenário de “recorrência”, com declarações do superintendente do órgão, Deodato Ramalho, de que “quase nenhum município cearense teria condições de licenciar”. A afirmação foi a linha de partida deste material.

A reportagem foi atrás de casos concretos de irregularidades, que comprovassem a constância de licenças “estranhas” por todo o Estado. O foco inicial eram os municípios, mas a recorrência de irregularidades da Semace expandiram a pauta.

Recebemos muito mais do que os 17 casos aqui explicitados. Eram listas e listas de relatos de irregularidades nos órgãos licenciadores dos municípios e na Semace. Muitas acusações, ainda que graves, não podiam ser comprovadas e, assim, a reportagem se baseou no critério de investigações e operações formais, judiciais ou observação in loco como foi o caso de Aquiraz.

Entramos em contato com grupos ambientais nos municípios, moradores, movimentos de direitos humanos. Colaborou com dados e orientação jurídica o gabinete do deputado estadual Renato Roseno (Psol).

Outros documentos partiram do Escritório Frei Tito, com relatos, ofícios e imagens concedidas por Cecília Paiva, responsável direta pelos casos de Quiterianópolis e Tabuleiro do Norte.

A apuração ainda focou nos prefeitos multados, com base em levantamento da Agência Pública. Identificamos, então, que dois ex-prefeitos chegaram a ser, ao mesmo tempo, multados por danos ambientais e responsáveis legais pelos órgãos licenciadores dos municípios.

Foram levantados dados de multas da Semace, de todos os municípios do Ceará, e do Ibama na região de Baturité. Por fim, contatamos as assessorias dos municípios citados; o governo do Ceará, por meio do titular Elmano de Freitas (PT); a Semace e o Ibama.

Colaboraram nesta reportagem Fabiana Melo, repórter do O POVO, e Wanderson Trindade, coordenador de dados do O POVO+

 

  

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