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As cascas de banana do hidrogênio verde
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É o(a) profissional cuja função é exclusivamente ouvir o leitor, ouvinte, internauta e o seguidor do Grupo de Comunicação O POVO, nas suas críticas, sugestões e comentários. Atualmente está no cargo o jornalista João Marcelo Sena, especialista em Política Internacional. Foi repórter de Esportes, de Cidades e editor de Capa do O POVO e de Política

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As cascas de banana do hidrogênio verde

A própria terminologia hidrogênio "verde" cria no imaginário coletivo a ideia de que se trata de uma solução "limpa" para a questão energética.
Tipo Opinião
PECEM, CEARÁ, BRASIL - 27.09.2024: Pecém movimenta mais de 4 mil contêineres e bate recorde de movimentação de um só navio com a chegada do MSC Navio MSC Mariagrazia. (Foto: Aurélio Alves  / O POVO) (Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES PECEM, CEARÁ, BRASIL - 27.09.2024: Pecém movimenta mais de 4 mil contêineres e bate recorde de movimentação de um só navio com a chegada do MSC Navio MSC Mariagrazia. (Foto: Aurélio Alves / O POVO)

A reportagem “Ceará será o 2º PIB do Norte e Nordeste com investimentos em hub”, publicada na última segunda-feira, 17, serviu como ponto de partida para um debate acerca da cobertura em relação ao hub de hidrogênio verde (H2V) previsto para ser instalado este ano no Complexo do Pecém. O material foi produzido em parceria do O POVO com o Observatório da Indústria da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), que realizou estudo projetando um crescimento de 24,2% na economia cearense a partir da viabilização de empreendimentos ligados ao H2V, elevando o Estado ao grupos das dez maiores economias do País.

Chefe do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e integrante do Conselho de Leitores do O POVO, a professora Adryane Gorayeb fez um comentário crítico em relação à abordagem dada pela reportagem ao tema. Reproduzo aqui algumas de suas considerações.

“A reportagem de capa do jornal sobre Hidrogênio Verde me pareceu mais propaganda discursiva da Fiec do que apresentação de dados concretos. Não vi nenhum dado que de fato abra ‘a caixa preta’ da produção de hidrogênio verde no Estado, nós não temos acesso aos Memorandos de Entendimento - MoUs, de fato não sabemos as intenções de investimento, não sabemos nada sobre a tecnologia de produção, a água que será usada ou mesmo o que de fato será produzido e comercializado e com quem e a quais valores (...), sinceramente me pareceu mais uma numerologia com intenção de manter o assunto na mídia”, afirma.

Ela aponta ainda trecho da reportagem que cita números de profissionais formados em instituições de Ensino Superior cearense em áreas relacionadas à pesquisa, desenvolvimento e mão de obra a ser empregada no hub de H2V do Pecém. “Relacionar os cursos da UFC e o total de pessoas formadas com mão de obra capacitada para trabalhar com hidrogênio verde é falsear os dados, uma vez que é impossível imaginar 100% dos alunos formados em engenharia de petróleo, por exemplo, vão atuar com hidrogênio, nem mesmo a matriz curricular desses cursos está direcionada para esse mercado ou existe corpo docente especialista já concursado”, complementa.

Por fim, ela reforça que a cobertura carece de questões socioambientais que não podem ser esquecidas tais como o uso da água, considerando que já existem conflitos por recursos hídricos na região do Pecém com os indígenas anacé; qualidade, nível de especialização e temporalidade dos empregos da indústria de alta tecnologia; e outros impactos ambientais relacionados a um maior número de turbinas eólicas, sobretudo na pesca do Estado. “Enfim, os conteúdos sobre hidrogênio verde estão muito aquém dos conteúdos produzidos [pelo O POVO] sobre energia eólica e mineração do urânio, cujas reportagens de fato têm background científico, pesquisa de campo, e entrevistas com governo, população local e empresas. Eu acredito que falta essa abordagem mais profunda para o hidrogênio verde”, conclui Gorayeb.

A Redação responde

Levei as considerações da professora da UFC à Redação. Repórter especial de Economia que assina o material sobre H2V, Armando de Oliveira Lima destaca que algumas das lacunas apontadas no comentário estiveram presentes em outros conteúdos feitos por O POVO. Ao fim desta coluna em sua versão online, listo alguns links de matérias elencadas pelo repórter que corroboram com seu argumento.

“Os detalhes dos memorandos respeitam questões confidenciais de contratos. Mas sempre trouxemos os investimentos e as contrapartidas do Estado quando noticiado um novo pré-contrato assinado. A regulamentação para a produção existe, foi aprovada via marco legal no fim do ano passado e demos cobertura intensa a isso. O momento, hoje, é de modelagens. Justamente no que os pesquisadores que falam na reportagem trabalham. A água usada depende de cada projeto. Os dois que já tiveram EIA/Rima aprovados na Semace indicam água de dessalinização e água de reuso. Publiquei isso na coluna e reforçamos em reportagens ano passado, inclusive”, explica Armando.

O repórter considera “desproporcional” o comentário relacionado aos dados de profissionais egressos de universidades cearenses que podem trabalhar no hub de H2V. “Ninguém falseou os dados. Nem sempre o profissional estuda para aquilo com que vai trabalhar e isso é normal de vários mercados. As listas dos cursos repassadas pelas instituições envolvem atividades comuns ao setor industrial que visa o hidrogênio verde. Engenheiros químicos, eletricistas, de software e inúmeros outros são necessários nessas empresas... assim como os técnicos, e o que as instituições relacionaram corretamente é que estão formando pessoal para isso”, segue.

Embora considere alguns apontamentos como “equivocados”, Armando reconhece a crítica como pertinente. “Eu compartilho do entendimento de que há uma dificuldade de observar o hidrogênio verde com este peso para a economia local. Muitas vezes está distante da realidade da maioria da população e aproximar isso realmente é um desafio nosso ao noticiar. Nisso, realmente, a reportagem peca. Mas os ganchos entregues na parceria com a Fiec não envolviam essa abordagem. Fizemos isso em outras ocasiões e vale a professora conferir, em reportagens que focamos na formação de mão de obra para o hub”, conclui.

Alertas a serem sempre lembrados

A própria terminologia hidrogênio “verde” cria no imaginário coletivo a ideia de que se trata de uma solução “limpa” para a questão energética. Uma solução para que se alcance um desenvolvimento sustentável em meio a uma crise climática que corre a passos largos para um cenário irreversível. É natural pensar positivamente numa energia que está sendo produzida para movimentar a indústria sem a necessidade de queimar combustíveis fósseis e jogar carbono na atmosfera.

Essa é uma visão que se for seguida de maneira acrítica pode induzir a sociedade como um todo a entrar numa armadilha, visto que são muitas as complexidades sobre o tema. As cascas de banana do H2V estão exatamente nesse discurso muito promissor de uma economia pujante impulsionada por uma energia “limpa”.

Mas os impactos existem e não podem ser ignorados. Neste debate trazido pela coluna, algumas dessas questões foram levantadas de maneira pertinente pela conselheira e há um número bem maior de perguntas a serem respondidas e que também não podem ser esquecidas. Principalmente quanto aos aspectos socioambientais relacionados.

Não seria correto, contudo, afirmar que a cobertura do O POVO tem fechado os olhos para alguns desses tópicos desde que o hidrogênio verde passou a ganhar maior visibilidade estratégica para a economia cearense, como bem apontado pelo repórter. Mas o alerta é necessário para que questões ligadas aos impactos da implantação do hub de H2V não caminhem à margem do olhar jornalístico e façam com que a sociedade também esteja atenta a esse olhar mais amplo, justamente para não ser atraída por discursos que têm muitas promessas e ressalvas.

Para além disso, O POVO precisa redobrar atenção para deixar mais transparente ao leitor como funciona esta parceria com a Fiec, assim como as que surgirem com outras organizações. A reportagem tratada aqui tem como base um estudo que tem ligação com uma entidade que possui interesses relacionados à implantação do hub de H2V, por exemplo. Há uma perspectiva aqui que não pode ser ignorada e é preciso que isso fique mais claro aos leitores.

Cobertura do O POVO sobre hidrogênio verde

Abaixo segue uma listagem de matérias elencadas pelo repórter especial de Economia Armando de Oliveira Lima sobre a cobertura do O POVO acerca do hidrogênio verde ao longo dos últimos anos

Sobre capacitação

2021

Hub de hidrogênio verde: mão de obra do Ceará é capaz de atender demanda

Salários projetados são muito acima da média industrial

Ceará terá curso gratuito de hidrogênio verde pelo Senai

2022

H2V: energia que traz protagonismo mundial para o Nordeste

2023

Ceará precisa capacitar 80 mil profissionais em energia, aponta Fiec

2024

Fortescue e Fiec firmam parceria para qualificação na economia verde

IFCE lança edital para pós-graduação em hidrogênio verde no Ceará; veja vagas

Sobre a cobertura do marco do hidrogênio verde, concentrada ano passado quando começou a tramitar

abril/2023

Ceará avança em política estadual de hidrogênio verde

agosto/2023

Demora em regulamentação do hidrogênio verde preocupa

setembro/2023

Regulação do hidrogênio verde virá em PL separado

maio/2024

Marco Legal do Hidrogênio Verde irá à votação ainda neste mês, diz Cid Gomes

junho/2024

Outros países avançam com falta de marco do H2V no Brasil, diz secretária

Texto-base de marco regulatório do hidrogênio verde é aprovado pelo Senado

julho/2024

Câmara aprova definição do projeto marco legal de hidrogênio verde

agosto/2024 (sanção feita no Ceará)

Com sanção do marco legal, Lula destrava US$ 30 bilhões em hidrogênio verde no CE

Especialistas estão otimistas com aprovação de incentivos do H2V na Câmara

Sobre contexto, os pré-contratos e memorandos, como são mais de 30, te passo essas duas que dão a lista deles e outra que explica como funciona a captação:

Hidrogênio verde, o caminho do Ceará

Elmano negocia instalação de mais 3 projetos de H2V no Pecém

Ceará assina pré-contrato com francesa Voltalia para produção de hidrogênio verde

Licenças ambientais

outubro/2023

Conselho Ambiental aprova projeto de hidrogênio da Fortescue no Ceará

março/2024

Coema aprova segunda usina de hidrogênio verde do Ceará

julho/2023

Hub de H2V projeta consumos de energia e água

junho/2024

AES realiza apresentação do EIA Rima de projeto de H2V

setembro/2024

Usina de H2V vai ocupar área equivalente a 66 campos de futebol no Pecém

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