O Partido Democrático Trabalhista (PDT) deveria se chamar Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Era essa última a legenda que estava no poder com João Goulart quando veio o golpe de 1964. Era a sigla que Leonel Brizola pretendia refundar ao retornar do exílio após a anistia, quando houve o fim do sistema bipartidário que vigorou ao longo da ditadura militar.
Brizola era a principal figura da oposição e reivindicava a velha sigla de Getúlio e Jango. Mas o regime manobrou para entregar a legenda icônica a Ivete Vargas, sobrinha-neta de Getúlio. Então, os trabalhistas fundaram o PDT. No Ceará, à frente do movimento estava Flávio Torres.
Foi por casualidade que o papel coube a esse professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), doutor em Física pela Universidade de Oxford e também piloto de avião. Nas primeiras reuniões para fundar o partido, as salas mal comportavam os participantes. Torres ficava na janela pois não havia cadeira para ele. Quando Brizola perdeu a sigla PTB e articulou o PDT, narra o professor, muita gente saiu.
"É como se você tirasse dele um avião e botaram Brizola para andar de jumento", ilustra Flávio Torres. "O PTB tinha uma raiz. Todo mundo sabia quem era PTB". O PDT foi diferente. "E aí ele (Brizola) tem de inventar. O PDT não foi fundado. O PDT foi inventado."
Com o súbito esvaziamento por políticos proeminentes, restou a Flávio Torres assumir a legenda no Estado. "Da janela, eu passei para a cabeceira da mesa".
Até o começo do ano passado, o PDT era o maior partido do Ceará. Sofreu dissidência de governistas. Mais recentemente, opositores como Roberto Cláudio anunciaram a saída. A tendência é de perder quase toda a bancada estadual e quase toda a estadual. "Todos esses filmes eu já vi", recorda.
Entre as idas e vindas de forças políticas, Flávio Torres já assumiu a presidência do PDT cinco vezes. "Eu só fui quando não tinha outro", ri. Quando algum político se filiava interessado em dirigir o partido, ele de bom grado entregava.
"E assim foi algumas vezes, até que a coisa não dava certo, a pessoa saía". Então, o professor reassumia. "Eu ia segurar a bandeira para o PDT não ficar sem bandeira. Esse foi o meu papel na história do PDT".
A vez mais recente foi no conflito que envolveu os irmãos Cid Gomes e Ciro Gomes. Ele foi chamado para pacificar. "O PDT estava quase nas páginas policiais", recorda. "Passei um ano na presidência, com low profile, né, com com pouca adrenalina". Cumprido o papel, ele, como descreve, retorna à "arquibancada".
E de lá assiste com espanto movimentos de alguns correligionários. "Eu não consigo entender, não há quem me explique, como é que uma pessoa se elege pelo PDT e pensa em ir para o PL", afirma. E é duro: "Essa pessoa não tem nada na cabeça. É a definição de um oportunista".
Sobre ir para o União Brasil, ele não é tão incisivo. "Eu até fico calado, que o Lula tem três ministros do União Brasil". Este deve ser o destino de Roberto Cláudio, a quem Torres elogia. Mas ressalva. "Agora, negócio de se encontrar com (Jair) Bolsonaro, eu não iria em nenhuma condição", fala sobre as articulações do ex-prefeito de Fortaleza.
O POVO - O senhor foi o primeiro presidente do PDT no Ceará?
Flávio Torres - Fui. Eu não fui o primeiro presidente da comissão provisória, mas na primeira convenção que foi feita, do primeiro diretório constituído legalmente. Quando eu entrei no PTB, né, quando houve a redemocratização.
Eu nunca fui filiado ao MDB nem PMDB, não tinha partido nenhum. Eu sou uma pessoa de berço de esquerda. Eu, quando era jovem, quis estudar na Universidade Patrice Lumumba, que era universidade para estrangeiros em Moscou. Eu já tinha uma certa simpatia.
Não sei por quê. Não me pergunte por quê, que eu não sei. Pela história da Segunda Guerra Mundial, talvez. Depois a grande decepção com (Joseph) Stalin que todo mundo teve, que era uma pessoa terrível. Graciliano Ramos chorou uma semana quando Stalin morreu. Era quem sustentava uma certa bandeira.
A gente via com muito preconceito a política. A esquerda de um modo geral via. E naquela época da ditadura, aprendi a ver com esperança alguma coisa armada, alguma reação da sociedade civil contra o governo implantado. Aqueles partidos consentidos, a gente não acreditava. Eu pelo menos não acreditava.
O MDB era um partido consentido. Quando ficava bravo, cassavam. Quando ficava manso, era permitido. Então, eu não acreditava naqueles partidos consentidos. Fizeram um bom trabalho, claro, reconheço, mas a gente tinha um enorme preconceito.
Com a Anistia, primeiro eu me relacionei com o Darcy Ribeiro (antropólogo, ex-ministro e ex-senador). O Darcy voltou ao Brasil para morrer. O Darcy veio antes da Anistia. Ele era um exilado, pegou um câncer de pulmão e foi internado em Paris. E aí resolveu vir ao Brasil morrer. O câncer naquela época era quase um atestado de morte.
E aí ele rompeu com todas as as expectativas legais e chegou na marra ao Brasil, algum tempo antes de Anistia (segundo o portal do projeto Memórias da Ditadura, do Vlado Educação – Instituto Vladimir Herzog, Darcy retornou ao Brasil em 1976. A Lei da Anistia foi promulgada em 28 de agosto de 1979).
Quando ele foi operado, um pulmão foi extraído, e na sala de cirurgia tinha um major médico, para saber se não era um blefe, se realmente iam arrancar o pulmão dele. E aí o Darcy, quando se recuperou, eu vi uma entrevista no Pasquim, o Darcy até segurando umas continhas, porque ele fumava e o câncer, naturalmente, tem ligação com o cigarro.
E ele dizia que o vício era muito de ter alguma coisa na mão, não era só da fumaça no pulmão. E a foto dele no Pasquim era ele segurando umas pedrinhas no cordão. Eu o vi dando a entrevista e consegui o telefone dele com o Ziraldo. Liguei para o Pasquim, uma semana de tentativa, eu consegui falar com o Ziraldo, que me deu o telefone dele.
Eu nunca conheci o Ziraldo, só me deu a informação. Liguei para o Darcy, ele foi muito receptivo. Eu aqui era envolvido com a Socema, que era Sociedade Cearense de Defesa da Cultura e do Meio Ambiente. Eu estudei na Inglaterra, passei três anos e meio lá. Passei lá uma vergonha enorme com relação ao meio ambiente.
Em 1972 eu morava lá. O ministro brasileiro Costa Cavalcanti (cearense), participou da primeira reunião da ONU sobre o meio ambiente (Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em Estocolmo). E ele disse assim, de uma maneira desavergonhada: o Brasil quer é fumaça, o Brasil quer emprego, não interessa que polua.
Uma posição bem ignorante. Quando o mundo lá já estava na frente há algum tempo, do que nós aqui, inclusive no meio ambiente. Enfim, mas o Darcy foi muito receptivo e a gente convidou o Darcy, pelo movimento com a Socema para vir no Dia Nacional do Índio, 19 de abril, para uma palestra na Universidade Federal do Ceará (UFC).
Falei com o reitor, que cedeu um auditório da Faculdade de Direito para a palestra. Na véspera da palestra, Darcy chegava, digamos, quinta-feira, a palestra era na sexta. E o reitor me chamou e negou o auditório.
Ele mostrou um ofício do general. A universidade tinha um gabinete de um general do SNI (Serviço Nacional de Informações) dentro da universidade, filtrando se a universidade fez alguma coisa imoral.
OP - Isso era no fim dos anos 1970?
Flávio - Eu retornei em 1975, era 1976 ou 1977. O reitor me chama e diz: "Professor, lamento informá-lo, mas eu não posso ceder o auditório da Faculdade de Direito".
A gente na universidade tem uma relação com a autoridade que é diferente da que um secretário tem com o governador, não é? O secretário é o empregado do governador e faz o que ele manda. A gente não faz o que o reitor manda. Tem emprego estável.
OP - O senhor nessa época era professor?
Flávio - Eu era professor adjunto do Departamento de Física. Eu cheguei em 1975, fiz concurso. E aí eu tive uma reação: "Professor, tudo bem, nós vamos fazer na praça da Faculdade de Direito, na praça pública, vamos fazer um comício. E eu vou dizer que me envergonho da minha universidade, que anos atrás convidou o professor Darcy Ribeiro para dar a aula inaugural, quando ele era ministro da Educação. Hoje nega a ele um um auditório para fazer uma palestra. Eu vou abrir o meu discurso dizendo isso." E fui embora. "Muito obrigado".
"Não, mas olha aqui não sou eu, é o general que está aqui com ofício me desaconselhando". "Tá bom". Eu pego meu carrinho, vou para o Pici, onde ficava no meu gabinete. Quando eu estou subindo a escada do primeiro andar, tinha um telefone. Era ele, Pedro Barroso (reitor de 1975 a 1979).
Feri os brios dele, né? E ele resolveu: "Professor, o senhor quer saber de uma coisa? Faça. A responsabilidade é sua, mas eu não vou proibir. A 10ª Região (Militar) que invada, que prenda vocês, que faça não sei o quê, mas eu não eu não vou proibir. Pode fazer". E foi um primeiro movimento assim.
Não se podia fazer política, mas podia falar de meio ambiente. Podia falar de índio, de cultura etc. Mas não podia falar em partido nessa época. E aí foi uma coisa linda. O auditório da Faculdade de Direito com as pessoas na janela e sentadas no corredor, uma coisa muito bonita. E aí o Darcy se entusiasmou.
Foi a primeira palestra que ele fez voltando do exílio. E fiquei com uma relação com ele. Eu no Rio de Janeiro, o procurava. Ele me ligava. Estava em Paris, mandava cartão-postal para mim. Ficamos amigos, digamos assim, próximos. E aí o Brizola fez aquela reunião.
O Brizola foi expulso do Uruguai. Estava exilado no Uruguai. Quando o Sylvio Frota tentou dar aquele golpe (em 12 de outubro de 1977, após ser demitido do cargo de ministro do Exército, tentou provocar um levanta dos comandantes do Exército contra Ernesto Geisel). Cada comandante de Região que chegava a Brasília, tinham dois carros.
Era o do governo e o do Sylvio Frota, que queria dar um golpe dentro do golpe, para endurecer. Nessa época, a primeira coisa que eles fizeram foi afastar do Brasil os possíveis inimigos, gente que poderia vir aqui mobilizar as massas. Então, tira o Brizola do Uruguai, que é a fronteira do Brasil. Deram ao Brizola 24 horas para ele ir embora do Uruguai. Foi expulso.
OP - O governo uruguaio avisou?
Flávio - O governo uruguaio chamou o Brizola.
OP - Uruguai estava sob ditadura também.
Flávio - Avisaram: "Está negado o exílio, vá embora". Não tinha para onde ir, não tinha nem passaporte. Procurou a embaixada (dos Estados Unidos), era o Jimmy Carter (então presidente dos Estados Unidos). Jimmy Carter falando de direitos humanos, não sei o quê.
Ele conseguiu em menos de 24 horas uma autorização para viajar para os Estados Unidos. Depois foi para a Europa e já em Lisboa reuniu o pessoal do Brasil que podia viajar com os exilados para recriar o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro). Que era o partido que tinha sido dele, tinha sido do Getúlio (Vargas), do Doutel de Andrade, Darcy Ribeiro, desse povo todo.
E aí eu ouvi falar nisso. O Darcy, que estava lá, chega. Ele fala: "Flávio, vamos precisar de você" e tal. E aí chega a Moema (São Thiago), que veio junto também de Portugal, participou também da reunião de Lisboa. E eu comecei com ela, começamos, a Moema, uma estudante que tinha saído do Brasil. Sobrinha do Virgílio Távora, mas não tinha raízes políticas, não tinha nenhum município, não tinha, nunca havia sido candidata a nada. Eu acabei me envolvendo na fundação do PTB.
OP - A Moema estava na reunião de Lisboa?
Flávio - Foi, a Moema estava em Lisboa.
OP - Mas o senhor não foi?
Flávio - Não. Eu nem soube. E o gozado é que eu estava na Alemanha, fazendo o trabalho na Alemanha, mas não, isso não circulou. Se eu tivesse sabido, eu teria ido, porque eu estava na Europa. Mas eu não soube.
Vim saber aqui no Brasil que tinha havido a reunião de Lisboa, foi feito um manifesto para criar o PTB. Entrei no PTB. A primeira reunião do PTB foi ali em frente à Catedral da Sé, 302. Professor (Antônio Alves de) Morais, que foi deputado federal, e alugou aquela sala.
Não me cabia, eu fiquei sentado na janela porque não cabia, eu era um um figurante de quinta categoria sentado numa janela, porque não havia para mim cadeira. Estava o Moisés Pimentel, o Professor Morais, um monte de vereador etc. Aí, o PTB foi tomado do Brizola pela ditadura, pelo Golbery do Couto e Silva, por uma funcionária do SNI, a Ivete Vargas (cujo avô materno era irmão de Getúlio).
Brizola uma vez até me disse quanto era o salário dela, que depois ele soube. Então, o Golbery mandou a Ivete pedir o registro e a turma mandava nos tribunais superiores e acabou o Brizola perdendo a sigla PTB. É como se você tirasse dele um avião e botaram Brizola para andar de jumento. E aí ele tem de inventar.
O PDT não foi fundado. O PDT foi inventado. Porque PTB tinha uma raiz. Todo mundo sabia quem era PTB, todo mundo sabia quem era Getúlio, o pai Getúlio, né? Que os trabalhadores consideram Getúlio como um pai.
Foi quem criou CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), quem criou horário de trabalho, quem criou todos os benefícios dos trabalhadores foi Getúlio Vargas. Usando a força, usando a força do Exército contra os poderes locais. Aí pronto. Sem o PTB, todo aquele pessoal saiu. Uns porque não acharam que o Brizola não ganharia mais a Presidência da República, outros por viabilidade eleitoral.
OP - Quando eles saíram?
Flávio - Quando o PTB foi tomado do Brizola e dado à Ivete Vagas. Aí houve uma reunião no Rio de Janeiro, eu me lembro que eu fui para a reunião, partido mandou chamar eu e a Moema. E na escadaria eu encontrei o Morais, que também participou da reunião, dando uma entrevista.
A gente vinha pegar o voo, vinha junto com ele. E ele brabo! Dizendo que ia fundar o PDT aqui no Ceará. Quando eu cheguei aqui de manhã já vi ele saindo do PDT. Então houve uma revoada total. Aí, da janela, eu passei para a cabeceira da mesa. Não foi por nenhum valor meu, foi porque não tinha outro. Porque eu não era ninguém.
Eu era um professor da universidade, desconhecido na cidade, sem raízes políticas, sem dinheiro e sem realmente condições de tocar um partido. Mas aí eu e a Moema, e tem uma figura que merece a minha homenagem, que era um vereador chamado Araújo de Castro.
Araújo é um sujeito que marcou muito a criação do PDT no Ceará com o caráter dele. Ele já tinha algum conhecimento de política no Interior. Era um sujeito que veio nos ajudar nisso. Muita gente entrava e saía, mas o Araújo, acho que eu e a Moema... E o Hypérides Macedo, que foi o meu vice e assumiu depois o PDT.
Muita gente participou, mas esses para mim eram os pilares. Aí eu fiquei presidente do PDT. Com muito esforço, com meu carro, nunca recebi tostão, era uma coisa pobre! E a gente conseguiu fazer o mínimo de organizar o PDT, o mínimo de município, para eleger um deputado estadual, dois vereadores, aquela coisa meio penosa.
Mas era uma coisa bonita, era uma coisa que eu faria de novo, porque era uma coisa baseada no sonho, era uma coisa baseada num programa. A gente queria ser herdeiro de Getúlio Vargas, de João Goulart, que eu não conheci. Mas de pessoas que eu me relacionei, como Brizola, Darcy, Doutel de Andrade, (Francisco) Julião (das ligas camponesas).
O Julião se hospedava na minha casa, um apartamentozinho ali em frente ao Romcy. Quando eu acordava, ele tinha feito meu café. Eu tive esse privilégio de conviver com pessoas, de forma que eu não estou no PDT, eu sou o PDT. O PDT passa por altos e baixos, sobe, desce, como acontece com todo mundo. Mas eu vou morrer no PDT, não saio do PDT.
OP - No momento da volta da Anistia, o Brizola era o grande líder da esquerda no Brasil, não é? E o mais temido pela ditadura. Mais que o Lula naquele momento.
Flávio - Era, mas deixa eu dizer uma coisa. O Brizola foi muito marcado porque, no tempo da ditadura, a ditadura durou o quê? Vinte anos, né? As pessoas nasceram na ditadura, as pessoas não conheciam o Brizola.
O Brizola era admirado pelas pessoas mais velhas, que conheceram Brizola, que viveram a derrubada do Jango. Mas muita gente que nasceu e cresceu no ambiente da ditadura impregnou-se de uma imagem que a ditadura passava.
"Eram os pelegos", "Brizola não sei o quê". Houve uma carga negativa em cima da biografia do Brizola, muito injusta, porque a ditadura, que venceu, que propagava essa imagem. O Brizola com o PTB tinha ganho a Presidência da República no primeiro turno. Eu não tenho a menor dúvida disso, porque ele teria o cartão de visita para chegar na casa das pessoas.
OP - Fortaleza era uma cidade com fama de Brizolista.
Flávio - É porque o Brizola ganhou a eleição aqui. (Em 1989, Brizola foi o mais votado em quatro capitais no 1º turno: Rio de Janeiro (RJ), Porto Alegre (RS), Florianópolis (SC) e Fortaleza).
OP - Além disso, em 1988, o Edson Silva quase que ganha a eleição para prefeito.
Flávio - Quase que ganha. É verdade. Havia uma simpatia. Parece cearense tem alguma coisa com gaúcho, tem uma relação... cultural, não sei o que é, mas a gente se dá bem. Mas é verdade. O Edson Silva quase ganha a eleição. Andou bem pertinho de ganhar.
OP - Havia receptividade às ideias do partido nesse momento?
Flávio - Para mim era total. Eu sou no partido pelas ideias do partido. As pessoas têm que ganhar a eleição e fazer alguma coisa. O que Brizola fez no Rio de Janeiro. Brizola ousou no Rio de Janeiro. Com Oscar Niemeyer, com Darcy Ribeiro, fizeram os Cieps (Centro Integrado de Educação Pública).
Brizola fez 500 Cieps. E 500 Cieps para matricular cada um 500 crianças é uma coisa que faz diferença. Isso é fazer. Isso foi depois destruído, inclusive pelo PT, que achava que era caro. É a famosa frase do Darcy Ribeiro, cara é prisão. Escola nunca é cara. E ele disse isso, se não fizer escola agora, mais tarde nós vamos gastar dinheiro fazendo prisão. Então, eu tô no PDT por isso, pelas ideias dele.
OP - Como foi a campanha do Brizola em 1989?
Flávio - Eu era presidente do PDT na época. Rapaz, foi uma coisa muito bonita. Eu chorei que só o bode embarcado, quando a gente perdeu aquela eleição. O Lula se meteu, atrapalhou, né? Atrapalhou a eleição do Brizola, não pode dizer que não. Se o Lula se junta com Brizola naquele tempo, Brizola tinha ganho.
OP - Então, Brizola no segundo turno contra o Collor, o senhor acha que teria vencido?
Flávio - Não tinha nem segundo turno. Se fosse Lula e Brizola, não teria havido nem segundo turno. O Collor cresceu naquele discurso balofa de marajá, contra marajá, não sei o quê. E hoje está na cadeia, está na cadeia em casa. Era um um farsante. Cresceu nesse bolo, a gente começou a brigar com o PT. Isso deixa marcas, ainda hoje eu tenho meus ranços.
OP - Nesse período da fundação ainda, como era a relação com outros grupos ali que vinham também do combate à ditadura? Havia o pessoal que estava no PMDB, que vinha da tradição comunista, tinha o pessoal do PT, tinha o pessoal do movimento pela anistia...
Flávio - A gente se dava. Quando estava se formando o PDT, eu lembro que a gente fazia umas reuniões, Eudoro Santana pelo PSB, eu pelo PDT, (José) Guimarães pelo PT e a gente sentava nós três, nós quatro, (Sergio) Novais (então no PSB). E articulando.
A gente não era inimigo, a gente não falava mal um do outro, a gente se respeitava. A gente tinha diferenças. Diferenças ideológicas, diferenças programáticas, mas a gente se relacionava muito bem. Eu não criei nenhum inimigo nessa época. O inimigo não é o que está perto da gente, o inimigo é o que está longe.
OP - Na eleição de 1985, o PT lançou Maria Luiza e o PDT também disputou.
Flávio - Você não sabe. Sabia que eu fui candidato a vice-prefeito? (Risos.) O nosso candidato era Manuel Aguiar de Arruda, que tinha sido o deputado estadual mais votado no Ceará e o vice era o Carlos Castelo, um rapaz lá de Maracanu, gente muito boa, meu meu amigo até hoje. Aliás, o Manuel também.
Durante o processo eleitoral, eles esperavam mais ajuda do Brizola, que não tinha como dar. E aí o Manuel desistiu a um mês da eleição. Manuel desistiu e aí a Moema candidatou-se a prefeita. Para ir aos debates, para poder divulgar o nome do partido.
Não havia o menor sonho de se eleger e para compor a chapa, eu era vice. No contrato: eu não apareço em TV, eu só quero preencher um papel que o TRE exige. Tem que ter um vice. Mas eu continuei dando minhas aulas, não tirei minha licença, não fiz campanha, não fui para lugar nenhum. Dei para a Moema a chance de ela se popularizar e ela em seguida foi eleita deputada federal pelo PDT com uma quantidade enorme de votos por conta dessa visibilidade da campanha de 1985.
OP - E a eleição seguinte, 1988, do Ciro Gomes contra Edson Silva?
Flávio - Na campanha seguinte, foram três anos de mandato. Na seguinte, aí o Edson Silva tinha vindo pro partido, era deputado federal, o Mariano de Freitas era o vice-candidato do Edson e a campanha foi muito bonita.
Tinha aquele negócio da panelada, né? Tu sabe da história? Para você ver como foi a história. Inventaram que o Tasso Jereissati não gostava de panelada. Olha, foi inventado. Sabe quem foi? Não sei se eu posso dizer quem foi. Foi um cabra do PDT numa reunião.
"Rapaz, bora inventar que o Tasso Jereissati tem horror de panelada". Aí pronto (risos). Inventaram essa história que o Tasso não gostava de panelada. Onde o Edson Silva chegava, ofereciam panelada. A gente ganha eleição com essas coisas. Criou o popular, uma brincadeira. O Edson era o comedor de panelada. Pegaram essa coisa e quase nos dá a eleição.
OP - Eu sabia que o pessoal o chama de Edson Panelada, mas eu não sabia a origem.
Flávio - Foi por essa história. Foi para marcar que o PSDB era um partido de elite e o PDT era do povão, que gostava de panelada, de buchada, essas coisas. Isso é uma estratégia eleitoral. Como brincadeira, foi uma coisa muito esperta. Uma brincadeira esperta que não fez mal ninguém, não. Não maculava ninguém.
E a gente perdeu a eleição, eu não vou dizer que foi tomada. Tem muita gente que diz que foi tomada a eleição. Eu não faço essa acusação. Mas perdeu na estrutura de apuração. O voto era papel. Cada mesa tinha um fiscal de um lado e do outro e o PDT não tinha. PDT não tinha.
Você via aqueles advogados, tudo com paletó, gravata, com estrutura, com auxiliar. "Esse voto é nulo aqui porque tem um risco, tem não sei o quê". É estrutura de apuração. Não havia, assim: "Vamos combinar com o juiz, sei lá, do São Gerardo, um juiz da zona eleitoral para tomar voto do PDT."
Não houve isso, mas houve uma estrutura de apuração poderosa, disseminada em todas as urnas e o PDT não tinha. Um monte de meninozinho banguela, magrinho. A gente foi sufocado por uma estrutura de apuração com computador, com advogado, paletó, não sei o quê, e acabou com uma diferença de 5 mil votos, bem pertinho.
OP - O senhor viu muitas fases do PDT, e muita gente indo e vindo.
Flávio - Todos esses filmes eu já vi. Eu me lembro do Lúcio Alcântara. É uma figura que ainda hoje eu sou amigo dele e gosto dele. É um liberal, nunca foi de esquerda. É um político tradicional de Fortaleza. O Lúcio era o presidente do PFL e resolveu se filiar ao PDT.
A coisa foi feita assim: Brizola combinou com o Lúcio para se encontrar com ele aqui, por acaso. E houve um movimento interno do PDT contra, movimento dos jovens. Esse André Figueiredo botou o dedo na minha cara (risos). Me esculhambando. Mas é uma coisa natural.
Imagine, o partido de esquerda, falando de coisa de esquerda, veio o presidente do PFL pro partido. (O PFL posteriormente se transformou em DEM e, mais recentemente, fundiu-se ao PSL para criar o União Brasil).
Então era uma coisa estranha do ponto de vista ideológico. A aceitação não foi uma coisa tranquila, foi um trator de esteira mesmo. Brizola passou. Nós fomos a Brasília, houve uma reunião na Aguasolos, que era do Hypérides Macedo.
Eu me lembro, de 21 votos, foram dois a favor, eu e o Araújo de Castro. Talvez o Hypérides, não me lembro direito. Mas a grande moçada, Papito (de Oliveira), André era da juventude, acho que ele era presidente da Juventude Socialista, todo mundo era contra.
Aí nós fomos a Brasília, Brizola me chamou e disse: "Olha, vocês aceitam ou eu dissolvo o partido, porque eu preciso ganhar a eleição. Vocês não me dão os votos que o Lúcio me dá. Se ele está querendo vir, que venha". "Na boleia vamos nós, na carroceria pode ir quem quiser".
OP - O Carlos Lupi (presidente nacional do PDT) diz isso hoje.
Flávio - É isso. Ele está herdando um pronunciamento do Brizola. E aí assim foi. E realmente a gente tem que tirar o chapéu. A votação do Brizola (em Fortaleza) tem a ver com a participação do Lúcio. O Lúcio tinha uma estrutura, tinha prefeitos, tinha vereadores, um grupo enorme dentro do PDT.
Quero só fazer justiça a uma coisa, nós aceitamos o Lúcio quando ele era presidente do PFL e veio para o PDT. Quando o Lúcio saiu, muita gente passou a esculhambar o Lúcio, porque ele tinha sido eleito senador pelo PDT (em 1994) e saiu do PDT (em 1995). Ora, se nós batemos palmas quando ele entrou então é porque a gente admite que ele possa sair, não é não?
Se eu bati palmas, recebi uma pessoa que era presidente do PFL para vir para o PDT, é porque eu não sou contra esse movimento. Quando o movimento é contra mim, eu vou chamar o Lúcio de picareta, de não sei o quê? Eu acho que é injusto. Era a regra do jogo.
Ele veio, ele sai. O que nós pedimos, eu me lembro que o Lúcio quando saiu deixou alguns símbolos, ou quis deixar, até para não não esvaziar o PDT, né? E eu disse: "Não, Lúcio, saia com todo mundo. Se você vai sair, saia. Os aliados, saia com todo mundo. Porque ninguém vai acreditar que não é você que está mandando no PDT. Então eu prefiro que você deixa a gente reconstruir o partido. Dentro das regras, é assim".
E aconteceu isso. Eu entrei e saí (da presidência) do PDT cinco vezes. Eu era presidente e saía. Eu saí não, eu entreguei a presidência. Porque eu não me sentia à altura de ser presidente do PDT. Eu só fui quando não tinha outro (risos). É uma grande verdade.
Quando queria entrar o Lúcio: "Tome (faz gesto de quem está entregando), o partido". Queria entrar não sei quem: "Tome". E assim foi algumas vezes, até que a coisa não dava certo, a pessoa saía. E o Brizola: "Vai você de novo". E eu ia segurar a bandeira para o PDT não ficar sem bandeira. Esse foi o meu papel na história do PDT.
OP - Houve esse movimento mais recente, em 2015, quando vêm Cid Gomes e Ciro Gomes e o partido se torna gigante. Como é que foi esse período mais recente?
Flávio - Eu você vai ver que eu estou fora. Você não vai não vai me ver na imprensa. Eu fiquei na arquibancada, como estou hoje. E eu disse para o André e para o Lupi. Foi um projeto deles, projeto era eleger o Ciro presidente da República.
Tudo bem, o partido quer crescer, é um desejo de qualquer partido. O partido quer ter o poder para fazer aquilo que defende. O Darcy dizia uma coisa que para mim é muito interessante. Dois partidos antes da revolução, por exemplo, o PTB e o PSB na época.
O PSB era um partido puro, cheio de intelectuais, com discurso etc. Nunca pesou na política brasileira, nunca ameaçou o sistema. Porque era pequeno e puro. Quem foi derrubado foi o PTB, quem queria fazer as reformas era o PTB. Com a enchente.
Você faz política com enchente e a gente tem que ter a maturidade de compreender isso e aceitar isso. Então eu aceitei, claro, participei também. Mas eu disse: "Eu já vi esse filme". E comentei até com o André: "Andrezin, você vai participar de uma coisa que eu já passei". E o André está vivendo hoje uma coisa que eu passei.
O PDT está voltando a ser um partido bem pequeno, porque as pessoas que estão ligadas a esse momento todas vão sair, porque é o destino mesmo é assim.
OP - Entrevistei o Tasso no dia em que o Lúcio perdeu a eleição, em 2006. Estava na fila de votação. Eu perguntei como o PSDB ia ficar e ele respondeu: "O PSDB esteve esses 20 anos no poder e foi muito inflado por oportunistas". E disse que agora que ia perder, os oportunistas iam embora.
Flávio - Aí foi todo mundo (risos). Só tinha oportunista (risos).
OP - Acho que ele não sabia que era tanta gente.
Flávio - Mas é assim, política tem esse ciclo. Aí agora eu voltei de novo. O PDT estava quase nas páginas policiais. Aí me pediram, Lupi, André, Ciro, me pediram para eu dar uma acalmada.
E acho que foi isso que eu fiz. Passei um ano na presidência, com low profile, né, com com pouca adrenalina, tentando contemporizar. Cumpri meu papel, já estou na arquibancada de novo.
OP - Fica mágoa desse processo todo? Teve gente que exagerou, que não foi leal com partido?
Flávio - É claro que fica. A gente acha estranho, tem aqueles ranços, mas mágoa não fica. Porque é o jogo, é o jogo. Toda hora nós não estamos vendo isso? Agora eu preciso dizer uma coisa. Quantos anos que eu tenho de PDT? Nos 40, quase 50 anos de PDT, tem um bocado de tempo, a política piorou muito.
Antes do golpe, você era PSD ou você era UDN. Você perdia no município, você passava quatro anos de baixo, na peia. Mas você depois voltava e não tinha esse trânsito de partido. Hoje, todo governador tem maioria na Assembleia.
Hoje as pessoas são do governo. Hoje os deputados se elegem quando são ligados ao governo. Então, o sistema não é republicano. Quem não é do governo é pão e água. Essa que é a verdade. Então, a política piorou muito de qualidade.
Eu não consigo entender, não há quem me explique, como é que uma pessoa se elege pelo PDT e pensa em ir para o PL. O sujeito que se elegeu a qualquer cargo pelo PDT e faz o movimento, por qualquer que seja a razão, para se filiar ao PL, que é um partido que defende a ditadura, um partido que defende a tortura, é um partido que tem tudo que não somos nós.
Essa pessoa não tem nada na cabeça. É a definição de um oportunista. Ir para o PL. União Brasil eu até fico calado, que o Lula tem três ministros do União Brasil.
OP - O Roberto Cláudio está indo para o União Brasil. O que o senhor pensa quando o vê se encontrar com o Bolsonaro?
Flávio - Rapaz, eu acho que ele não poderia, não deveria ter se encontrado com o Bolsonaro. União Brasil não é Bolsonaro. União Brasil é um partido de centro, que trabalhou com Bolsonaro, mas logo se virou e trabalha com o Lula. É aquele partido que é governo.
OP - Exemplo do que o senhor falou.
Flávio - É exatamente isso que eu estou falando. Sem o menor encabulamento. Isso é feito achando graça. Não tem o menor remorço. É feito na galhofa. Por isso que eu digo que a política piorou muito. Então o Roberto está indo para onde ele acha que é viável como candidato. Achou que no PDT não era.
Não tenho qualquer mágoa ou raiva dele. Acho ele uma pessoa direita, como eu achava quando ele era do PDT, eu vou continuar achando. Agora, negócio de se encontrar com Bolsonaro, eu não iria em nenhuma condição. Porque é um cara que defende a tortura, que diz que a cavalaria brasileira falhou porque matou pouco índio. Americano matou mais.
É um cara que eu não vou sentar com ele numa mesa, porque não tenho nada a ver com ele. Para mim ele é uma figura esdrúxula. É um ser humano esdrúxulo. Não é nem a pessoa política. É um negócio, para mim, que eu não me sento em nenhuma hipótese.
OP - O senhor acha que o Ciro deve ficar no PDT?
Flávio - Eu nunca acho que ninguém deve ficar ou sair. Cada ninguém ou cada alguém trata do seu próprio futuro. Traça o seu próprio futuro. Não sei o que o Ciro vai fazer. Gosto dele. Para mim é um político brasileiro que tem o Brasil na cabeça. Sabe o que faria se fosse presidente da República.
Acho uma pena que ele não tenha conseguido viabilizar, como eu lamento que o Brizola também não tenha conseguido ser presidente da República. O Brasil seria outro, pelo exemplo do que ele fez no Rio de janeiro. O Ciro eu acho que daria ao Brasil uma rebolada, porque o Brasil vive numa mesmice.
O que é mesmo que mudou com a gente de esquerda no governo? Mudou estrutura, transformou o Brasil? Eu acho que não. Melhorou, tira alguém da pobreza, bota na classe média, mas em qualquer governo que vem no meio, bota todo mundo na pobreza de novo. Quer dizer, não mudou a estrutura.
A escola é uma porcaria. Se você vai para o Ceará, não sei o que, não sei o quê, mas vai para o distrito Juatama (em Quixadá), conversa com o menino que está terminando a escola lá, é um analfabeto. A escola é muito ruim.
O Brasil não se transformou nesse tempo todo. A gente tem que fazer essa crítica, até para ver se esse pessoal acorda. Mas está muito ruim. Melhorou? Melhorou. Claro, para melhorar depois de Bolsonaro não precisa muita coisa.
OP - O senhor acha que o Ciro fez bem ao PDT?
Flávio - Eu acho que fez. Assim como o Roberto fez bem ao PDT. Foi um bom prefeito, administrou a cidade, não tem nenhum escândalo associado a ele, não tem. Eu acho que são pessoas que passaram com limpeza pelos cargos que ocuparam. Então fizeram bem ao PDT.
OP - O senhor é doutor em física por Oxford?
Flávio - Sou. Eu fiz mestrado na Universidade de Brasília. Eu fui fazer mestrado na USP. Quando eu entrei na Física (na Universidade Federal do Ceará, como estudante), a Física não tinha corpo docente, era uma aventura.
Nós fizemos primeiro ano, segundo ano, terceiro ano, aí não tinha quem desse aula no quarto ano. Aí, o chefe do departamento, que era o professor Newton de Almeida Braga, gente muito boa, a quem todos devemos muito, fez um acordo com a PUC do Rio de Janeiro para a gente fazer o quarto ano lá.
Agora imagine, três "paus de arara" chegam ao Rio de Janeiro para fazer o quarto ano lá, rapaz. A gente se sentia desse tamanhozinho. "Vamos ser reprovados, vamos não sei o quê". Resultou que nós fomos os melhores alunos da turma de lá. Porque a gente fazia com base, tinha um bom curso de Física aqui na UFC.
Então, terminamos o último ano na PUC, mas o nosso diploma é da UFC, porque foi feito um acordo para reconhecer os cursos que nós tivemos lá. Terminei em 1966. Em 1967 eu fiquei aqui como professor colaborador, dando aula no cargo que não é vitalício, um cargo que dura dois anos. Aí fui fazer pós-graduação na USP. E 1968 foi o ano da turbulência.
Fechou a USP em julho, não tinha mais aula. Os alunos invadiram todos os departamentos. Na pós-graduação, vinha um aluno dar aula. Além do mais, em São Paulo estava a ALN (Ação Libertadora Nacional, grupo de esquerda envolvido na luta armada), (Carlos) Marighella (guerrilheiro de esquerda contra a ditadura), era um negócio muito conturbado.
Eu recebi um convite, tinha alguma participação e com um certo medo, recebi um convite para ir para a UnB, que foi destruída em 1966, 600 professores da UnB se demitiram. Depois o golpe de 1964, não aconteceu muita coisa.
Eles vieram até 1965, 1966. Aí 600 professores se demitiram, as lideranças que tinham sido atraídas pela Universidade de Brasília, que foi fundada pelo Darcy Ribeiro. Resolveram desistir, não dava para compor. Tudo era gente do SNI (quem assumiu), o reitor era reitor de Mar e Guerra. Era físico com doutorado no MIT (Massachusetts Institute of Technology), mas era uma pessoa do serviço de informações.
Já em 1968, havia um esforço para retomar a Universidade de Brasília. E eu recebi um convite para ir para a UnB. Para montar o laboratório em que eu faria o mestrado, que é a coisa do começo. Aí veio um expert da Unesco e eu vim de São Paulo e nós nos juntamos para criar um Laboratório de Espectroscopia Mössbauer.
A gente criou o laboratório, conseguiu os equipamentos e eu tirei meu mestrado. Aí fui aceito pela Universidade de Oxford, comecei a me corresponder, olhar os manuais, fui aceito pelo professor orientador, aquele processo todo. E aí o governo me negou a saída.
Eu era do quadro da UnB, professor assistente da UnB. Quando eu tirei o mestrado, fui absorvido pela universidade num cargo permanente. E eu pedi demissão, porque a UnB disse que não dava (liberação). Eu fui falar com o reitor, fiquei na porta. Eu era pretensamente amigo dele, porque ele era físico, foi o primeiro chefe do departamento.
"Professor (José Carlos de Almeida) Azevedo..." E ele disse: "Não, não, não, não, comunista não é para estudar, não. Pode ir embora, pode ir embora". Me tratou ali, ele na mesa de reitor e eu na porta. Aí eu pedi demissão, passei muito sufoco por causa disso, financeiramente, porque eu fui com a bolsinha do CNPq de 415 dólares, porque eu já era casado e tinha um filho.
Mas aí tudo isso a gente passa e se recorda com alegria, porque eu consegui terminar meu doutorado, três anos e meio depois eu volto para o Brasil, em 1975. Aí fiz concurso para UFC. Depois a UnB me chama. Aí, quando foi na anistia, não me lembro em que época foi, a UnB viu que eu tinha pedido demissão e me chama, se eu queria reassumir. Eu disse que não, estava aqui no Ceará, onde eu tenho família, nasci aqui, fui criado aqui. Vou fazer o que na UnB? Declinei do convite.
OP - O olhar de físico ajuda em algum momento a entender a política do Ceará e esses movimentos todos?
Flávio - Eu tenho uma brincadeira, eu digo para a minha mulher que todo mundo devia primeiro fazer física antes de fazer qualquer coisa, fazer jornalismo, arquitetura... Porque eu acho que a física dá um treinamento. A ciência de modo geral, não só a física.
Eu brinco porque eu sou físico, mas a ciência, de modo geral, dá um treinamento para você saber qual é o foco, você saber eliminar as impurezas e você conseguir chegar a uma coisa que seja mais importante.
Quando você está fazendo a pesquisa, vários caminhos se oferecem e você tem de centralizar aquilo e caminhar numa coisa que dê lógica. Eu acho que a física dá esse treinamento. A educação dá isso, na verdade, a educação dá esse exercício de abstração e ajuda a compreender.
OP- Às vezes a política exige exercício de abstração.
Flávio - Eu acho que sim. A política também é cheia de caminhos.
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