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Vencedor como jogador e treinador, Erandir se declara ao Fortaleza: "Devo muito ao clube"
Reportagem Seriada

Vencedor como jogador e treinador, Erandir se declara ao Fortaleza: "Devo muito ao clube"

Com mais de 350 jogos disputados pelo Tricolor, cearense de 43 anos agora comanda as Leoas, celebra os sonhos realizados no futebol, explica a alcunha de Popó do Pici e detalha a dura realidade em clubes modestos

Vencedor como jogador e treinador, Erandir se declara ao Fortaleza: "Devo muito ao clube"

Com mais de 350 jogos disputados pelo Tricolor, cearense de 43 anos agora comanda as Leoas, celebra os sonhos realizados no futebol, explica a alcunha de Popó do Pici e detalha a dura realidade em clubes modestos
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Francisco Erandir da Silva Feitosa aproveitou as oportunidades que a vida proporcionou para realizar sonhos — alguns almejados, outros inimagináveis — e construir uma carreira vitoriosa no futebol, inicialmente com as chuteiras nos pés e agora com a prancheta em mãos, selando a forte identificação com o Fortaleza, clube de coração desde a infância.

Atacante nos primeiros passos com a bola, Erandir se adaptou como volante e zagueiro para ser aprovado no teste do Tricolor e iniciar a carreira nos campos. A força física, o perfil de liderança, a boa estatura e o estilo aguerrido em campo fizeram a torcida abraçar o talento revelado pelas categorias de base, que se tornou ídolo depois de 359 jogos oficiais, seis títulos e dois acessos para a elite do Campeonato Brasileiro.

Erandir é técnico do Fortaleza Feminino e ídolo do FEC masculino(Foto: DANIEL GALBER/ESPECIAL PARA O POVO)
Foto: DANIEL GALBER/ESPECIAL PARA O POVO Erandir é técnico do Fortaleza Feminino e ídolo do FEC masculino

O defensor cultivava o desejo de ouvir o nome gritado pelos torcedores com quem compartilhava espaço na arquibancada, marcar gol em Clássico-Rei contra o Ceará e também em uma final. Não conseguiu balançar as redes em uma decisão, mas caiu nas graças dos tricolores como o "Popó do Pici" — por "exagerar às vezes", como o próprio define.

Longe do Pici, o então camisa 8 passou duas vezes pelo Athletico-PR e defendeu equipes como São Caetano-SP, ABC-RN e Atlético-GO antes de conhecer a modesta e difícil realidade de clubes de outro patamar, inclusive no futebol cearense, contornando greves, estrutura precária e dando ajuda financeira aos colegas. Viveu momentos marcantes em Ferroviário e Caucaia, em meio a um desejo frustrado de retornar ao Leão.

Ainda como jogador, o Popó cearense criou o Projeto Semear para dar oportunidades a crianças e adolescentes de terem o esporte como um norte, o que acabou virando trabalho: foi lá onde Erandir começou como treinador e tomou gosto pela beira do campo.

Recusou o convite de treinar as categorias de base do Fortaleza para seguir focado no projeto, mas, depois, aceitou comandar o time feminino profissional, no início de 2024.

Em 2025, a lista de conquistas com o Tricolor aumentou: conquistou o inédito acesso para a Série A1 do Brasileirão da modalidade e levantou a taça da Copa Maria Bonita, estreante torneio regional em que superou Bahia e Sport, por exemplo.

Com a experiência de vestiário dos tempos de jogador, Erandir diz também aprender com as comandadas e alterna entre o estilo linha dura e paizão para ter o grupo na mão.

Presente no mural de ídolos do Centro de Excelência Alcides Santos pelos feitos enquanto atleta, o fortalezense de 43 anos agora ganhará homenagem no mural do CT Ribamar Bezerra — onde as Leoas jogam e treinam — e não quer parar por aí.

Em entrevista ao O POVO, Erandir apontou os momentos-chave da carreira, exaltou o ex-colega Clodoaldo, avaliou o cenário do futebol feminino no País, a dois anos da Copa do Mundo, e se declarou ao Fortaleza.

 

O POVO - Você sempre foi do futebol? Como começou o desejo de começar a carreira de jogador?

Erandir - Eu sempre fui do futebol. Minha família inteira gosta de futebol. A minha mãe até hoje vai para os campinhos no Interior e fica gritando e torcendo. Na época, tinha um time do bairro, da família, com meus tios e meu pai, e eu comecei a participar desde novinho. O nome do time era Beira Rio e começou lá, como brincadeira. Minha mãe vendia dindin, água, e eu ia pro campo, ficar chutando a bola.

Depois de um tempo, já comecei a entrar 2, 3 minutos e foi dando certo, comecei a jogar nos times de bairro. Na época, tinha um Ajax, um Atalanta do bairro e, um dia, um colega meu me chamou para fazer um teste.

'Eu era atacante. Fazia gol. Tinha um colega meu que a gente brigava pela artilharia direto aí nesses campeonatos de bairro. Só que, na época, quando eu vim para o Fortaleza, todo mundo queria ser atacante'(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES 'Eu era atacante. Fazia gol. Tinha um colega meu que a gente brigava pela artilharia direto aí nesses campeonatos de bairro. Só que, na época, quando eu vim para o Fortaleza, todo mundo queria ser atacante'

Eu já tinha passado pelo Atlético Cearense — não o do Ari, o do Nojosa —, pro Santa Cruz também, só que no Santa Cruz, quando eu fui levar o meu registro, vi que ele era velho e não podia ser federado por causa disso. Foi nessa semana que um colega meu veio fazer um teste no Fortaleza e me chamou. Eu fui, passei a primeira semana, depois a segunda, e acabei ficando no time principal.

OP - Você sempre foi volante ou jogava em outra posição?

Erandir - Eu era atacante. Fazia gol. Tinha um colega meu que a gente brigava pela artilharia direto aí nesses campeonatos de bairro. Só que, na época, quando eu vim para o Fortaleza, todo mundo queria ser atacante. Tinham mais de 150, 200 meninos (no teste). Eu fiquei no oitavo time.

'Meu primeiro jogo como profissional titular do Fortaleza foi contra o Ferroviário, num clássico que a gente ganhou de 2 a 0'(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES 'Meu primeiro jogo como profissional titular do Fortaleza foi contra o Ferroviário, num clássico que a gente ganhou de 2 a 0'

O treinador era o Jurandir (Branco). Ele perguntou se eu fazia meia e eu falei que fazia. Queria participar (risos). Aí, fui aprovado no primeiro dia. No segundo dia voltou muita gente e ele perguntou se eu fazia volante. Falei que fazia também e fiquei mais uma vez. Na última vez, eu fiquei no sexto time e ele perguntou se eu fazia zagueiro. Eu falei que sim e acabei passando na peneira.

Ele pediu minha documentação, trouxe minha documentação, meu registro foi aprovado, graças a Deus, pois, na época, tirar um registro tinha um custo maior e, naquele momento, o meu pai não podia tirar outro registro.

Ainda teve a seleção cearense em 1999, que ia viajar, e do Fortaleza só quem ficou fui eu. Acho que eu tive até sorte, porque, no clássico contra o Ferroviário, teve confusão e muitos meninos foram suspensos. Acho que, se eu tivesse, eu tinha rodado também (risos).

Nisso, o Oliveira (Canindé) era o treinador da seleção cearense e trabalhava no Uniclinic. Vi um interesse dele para que eu fosse para o Uniclinic na época, mas o Fortaleza não me liberou. Só que, na época, tinha coletivo com o profissional, eu treinava bem, mas não estava muito no profissional. 

Até que o Ferdinando Teixeira assumiu. Faltou um atleta e eu fui para o coletivo com o profissional e fui bem, daí o Ferdinando Teixeira me puxou para o profissional. Meu primeiro jogo como profissional titular do Fortaleza foi contra o Ferroviário, num clássico que a gente ganhou de 2 a 0, mas eu já tinha entrado em outras partidas.

OP - Então, podemos dizer que você aproveitou as oportunidades que teve?

Erandir - Cara, eu aprendi na vida que você tem que estar preparado para, quando a oportunidade aparecer, você agarrar. O Ferdinando Teixeira falava lá atrás que cavalo selado não passa duas vezes, e eu tinha essa ideia que tinha que estar preparado.

Quando eu escolhi ser jogador de futebol, sempre me dediquei muito. Eu vivia o futebol como vivo até hoje e sempre tenho a ideia que você tem que se preparar, porque, nem que seja um minuto ou dois, você pode entrar, pode tirar o gol, pode fazer (o gol). Essa é a minha ideia do futebol. Eu levo isso comigo para minha vida toda.

OP - Em que momento você decidiu que queria realmente ser jogador dentro dessa trajetória?

Erandir - Particularmente, meu sonho já era ser um jogador de futebol. Eu não tinha outra ideia na minha cabeça desde criança. Havia vários jogadores na televisão na época, naquele tempo não tinham jogos que hoje passam em todos os canais, a gente não tinha tanta referência, era mais pela rádio. Até para assistir um jogo você ia para a casa do vizinho, porque em casa não tinha. E, às vezes, o cara trocava de canal e a gente saia todo desconfiado pra casa (risos).

'Não foi fácil, mas contei com a ajuda da minha família, principalmente do meu pai, porque, muitas das vezes, deixava de merendar e dava o vale para mim, para eu vir de ônibus e para eu não vir de bicicleta'(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES 'Não foi fácil, mas contei com a ajuda da minha família, principalmente do meu pai, porque, muitas das vezes, deixava de merendar e dava o vale para mim, para eu vir de ônibus e para eu não vir de bicicleta'

Mas eu sempre tive o sonho de jogar futebol, de ser um profissional, de pisar no Castelão e no PV e ouvir a torcida gritar o meu nome. No começo, no nosso tempo, a gente não pensava no dinheiro. Acho que era mais aquela ideia de ser jogador de futebol. Então, eu botei na cabeça que queria ser jogador de futebol e me dediquei, ralei.

Não foi fácil, mas contei com a ajuda da minha família, principalmente do meu pai, porque, muitas das vezes, deixava de merendar e dava o vale para mim, para eu vir de ônibus e para eu não vir de bicicleta. 

OP - Em que momento você percebeu realmente que estava firme no time profissional e que as coisas estavam caminhando para dar certo?

Erandir - Certo dia, ele (Ferdinando) chegou para mim, junto com o Jorge Mota (ex-presidente do Fortaleza), falando que o Jorge queria trazer um jogador para o lugar do Augusto, que tinha saído, mas ele, Ferdinando, falou que tinha um garoto na base que ia suportar. Quando ele conversou comigo, me deu essa oportunidade. Na época eu não joguei de zagueiro, joguei de volante no primeiro jogo, e senti mais firmeza ainda quando eu fui para uma pré-temporada no Paracuru.

'Eu nunca era o primeiro a sair do campo, eu sempre era o último, porque sabia que tinha que melhorar cada vez mais'(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES 'Eu nunca era o primeiro a sair do campo, eu sempre era o último, porque sabia que tinha que melhorar cada vez mais'

Nesse dia eu nem dormi. Quando eu cochilei, achei que tinha perdido o ônibus e fiquei ansioso, aquela coisa toda. Aí, eu achei que esse era o meu momento mesmo. Naquele tempo, você não podia correr na frente dos caras mais velhos porque tinha uma ideia dos caras que “juvenil quer correr na frente, mas chega no jogo não tem aquela ideia".

Só que tinham as pessoas do meu lado — o Denilson, o Palmieri, o Ronald — que também mandavam eu estar na frente. E eu me dediquei. No Paracuru ou aqui no Pacheco, corríamos 8 quilômetros e eu sempre estava em primeiro.

Quando terminava o treino aqui, no Pici, eu sempre ficava lançando bola, pedia para o Marquinhos — que hoje até trabalha comigo no futebol feminino — jogar a bola para eu cabecear. Eu nunca era o primeiro a sair do campo, eu sempre era o último, porque sabia que tinha que melhorar cada vez mais.

E foi também uma coisa muito gratificante estar do lado do Palmieri, do Denilson, de Ronald, Rogerinho, Daniel Frasson, que eu tinha visto jogar na televisão quando menino.

OP - Esses jogadores que eram suas referências e tinham experiência ajudaram na transição da base para o profissional?

Erandir - Sim. Eu tinha uma referência no Frasson quando chegou no Fortaleza, o cara que tinha jogado no Palmeiras. E tinha o próprio Ronald, Rogerinho, que tinha jogado no Flamengo. Tinha também o Pires, cara que eu admirava muito pela vontade dele, e eram uns caras que, quando eu chegava, ficava perto deles. Depois, eu chegava no bairro falando para todo mundo que o Frasson falou comigo.

Até lembro que, uma época, ele me deu uma chuteira, perguntou se dava no meu pé e a chuteira tinha ficado apertada, mas eu falei: "Não, dá certinho no meu pé" (risos). E acabei amaciando a chuteira, mas, nesse primeiro dia, os dedos cheios de calos, mas deu certo.

OP - E era difícil marcar o Clodoaldo nos treinos?

Erandir - Era difícil. Ele ficava com raiva porque sempre a gente pegava ele pelo colete, mas não tinha outra maneira. Mas eu fiquei mais do lado dele. Eu acho que, na minha época, eu fiquei pouco treino contra o Clodoaldo. Naquele tempo a gente fazia muito coletivo, mas, como eu estava no time principal depois de 2000, em 2001 já assumi a titularidade do Fortaleza e mantive por muito tempo.

OP - Você pegou uma geração muito boa, mas o Clodoaldo está entre os melhores com quem você jogou?

Erandir - Eu falo para todo mundo que, até hoje, não vi um cara com o talento que tem o Clodoaldo. E pelo que a gente acompanha também aqui na base, de geração até o sub-17, até agora não vi nenhum talento igual ao Clodoaldo, porque ele era diferenciado.

'Tem momentos que eu nem acredito ainda que isso aconteceu. Eu era um menino do bairro, posso dizer que entre o Genibaú e o Conjunto Ceará, e conquistar o que eu conquistei…'(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES 'Tem momentos que eu nem acredito ainda que isso aconteceu. Eu era um menino do bairro, posso dizer que entre o Genibaú e o Conjunto Ceará, e conquistar o que eu conquistei…'

A gente até brincava que às vezes a gente ia jogar clássico e falava pra ele não sair, apertava ele, e na concentração a gente dava umas duras nele e ele falava: “Me deixa descansar, me cobra amanhã". E daí, no outro dia, ele resolvia. Clodoaldo é um fenômeno do futebol cearense.

OP - Ele dava muito trabalho nessas saídas? (risos)

Erandir - Eu falo para todo mundo que o que fazia mal a ele era ele mesmo. Enquanto o futebol exigia só da técnica, ele se saía muito bem. Foi um dos caras que, nos clássicos, sempre resolvia para nós. Mas quando o futebol começou a entender também que tem que ter a força, o profissionalismo, aí foi onde ele se atrapalhou mais na carreira. 

OP - Como foi para você, lembrando daquele menino de antigamente que queria ter o Castelão gritando o nome dele, conseguir ser uma figura importante no clube?

Erandir - Tem momentos que eu nem acredito ainda que isso aconteceu. Eu era um menino do bairro, posso dizer que entre o Genibaú e o Conjunto Ceará, e conquistar o que eu conquistei… Às vezes as pessoas até dizem: “Cara, tu não sabe a grandeza que tu é dentro do Estado, por tudo que tu conquistou dentro do Fortaleza, no futebol cearense”. E tem horas que eu fico lá em casa pensando.

Cheguei onde cheguei, só gratidão a Deus mesmo, porque não era fácil no meu tempo. A galera mais antiga, nas faixas dos 30 aos 33 anos, era que tinha espaço para jogar. Poucos jogadores eram revelados naquele tempo. Hoje eu falo para todo mundo que é mais fácil, pois tu joga um campeonato aqui e alguém está te vendo, tudo é filmado. Na minha época era muito difícil e a prioridade sempre eram os caras mais experientes.

Eu lembro que, quando eu conquistei o primeiro título, (do Campeonato Cearense) de 2000, eu não tinha jogado tanto. Tinha uma expectativa de eu jogar a partida contra o Itapipoca, porque o Frasson tinha machucado, o Pires tinha discutido na semana com Ferdinando Teixeira e, nos coletivos, eu estava jogando com o Bechara. Acabou que, por bem do Fortaleza, todo mundo se reuniu, o Pires fez uma reunião com Fernando Teixeira e ele foi para o jogo.

Eu acabei ficando de fora até da relação (risos). Fiquei chateado naquele momento, mas depois eu entendi que o meu momento estava perto. A gente acabou ainda ganhando o turno, indo pra final e depois conquistando aquele título (estadual) de 2000, lá em Sobral.

Em 2001, não, eu já era titular e, quando conquistei meu primeiro título, minha família toda lá, meu pai, minha mãe, minhas irmãs, cheguei em casa feliz, mas só depois que passou um tempo foi que caiu a ficha: “Fui campeão cearense pelo Fortaleza, bicampeão cearense pelo Fortaleza”. Até hoje às vezes fico me beliscando para ver se era verdade.

OP - Depois disso, surgiu a chance de ir para o Athletico-PR, com uma primeira passagem mais curta, depois você voltou e foi de novo…

'Em 2002, a gente formou um grupo de muitos jogadores cearenses. [...] E a gente conquistou um acesso que poderia ter sido campeão'(Foto: DANIEL GALBER/ESPECIAL PARA O POVO)
Foto: DANIEL GALBER/ESPECIAL PARA O POVO 'Em 2002, a gente formou um grupo de muitos jogadores cearenses. [...] E a gente conquistou um acesso que poderia ter sido campeão'

Erandir - Em 2001, na primeira vez que eu fui, eu senti muito. Eu tinha muita saudade mesmo de casa. Fui sozinho e, naquele frio, aquela situação toda… O Jorge Mota me ligou, porque o Fortaleza não estava tão bem no campeonato. Ele perguntou se eu estava jogando no Athletico-PR, eu falei que não e ele perguntou se eu queria voltar.

Eu tinha ido emprestado e ele falou: “Pois eu vou falar aqui para tu voltar". Eu voltei e foi naquele momento que o Fortaleza estava brigando pra classificar na Série B e também para não cair. Quando eu voltei, a gente fez uma campanha até boa e, se não me engano, por causa de um ponto só a gente não classificou.

Já na minha volta para lá, em 2006, eu fui um cara mais experiente. Tinha sido capitão da Série A em 2005, tinha ido com a minha esposa, só que tive um um problema mais com com meu pai e a minha mãe, questão de separação e tal. E, naquele momento, eu não estava muito bom da cabeça. Como eu não estava bem, no final de 2007 eu não estava jogando.

Foi quando eu tive contato com o pessoal do Fortaleza para voltar. Voltei para o Fortaleza em 2008. Mas a minha passagem lá (pelo Athletico-PR) foi muito boa. Foi uma boa experiência para mim, pois joguei (Copa) Sul-Americana, com atletas de alto nível também, jogadores de seleção.

OP - Falando em acessos, em 2004 a possibilidade de o Fortaleza ir para a Série A era de 2%, mas vocês subiram. Foi o seu momento mais marcante no clube?

Erandir - 2004 foi importante, mas eu prefiro o (acesso) de 2002. Em 2002, a gente formou um grupo de muitos jogadores cearenses. Jefferson, Chiquinho, eu, Marcão — do Rio Grande do Norte —, (Ronaldo) Angelim, o Juninho Cearense — que é pernambucano, mas adotou o “Cearense” —, o Clodoaldo e o Vinícius, e depois chegou o Finazzi, enfim, um grupo que, quando foi formado, ninguém acreditava, achava que brigava para não cair.

E a gente conquistou um acesso que poderia ter sido campeão. Eu acredito que a gente deu muito mole (na final, contra o Criciúma). O tempo lá (em Criciúma) atrapalhou muito também. Teve uma expulsão logo no começo do jogo também.

Erandir, ex jogador do Fortaleza e técnico, foi entrevistado por Afonso Ribeiro e Iara Costa(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Erandir, ex jogador do Fortaleza e técnico, foi entrevistado por Afonso Ribeiro e Iara Costa

Mas acho que o de 2002, por estar começando, conquistar esse acesso, uma coisa inédita naquele tempo... Em 2004, eu também ressalto pelos 2% que a gente tinha de subir. Ninguém acreditava. E no Fortaleza sempre foi assim. O Fortaleza, quando ninguém acredita, as coisas vão e acontecem.

A gente perdeu o Rinaldo, um dos caras que vinham muito bem no campeonato, fazendo gol. O próprio Hélio dos Anjos, na época, também saiu pro Vitória. O Zetti, quando chega, tem muita dificuldade, porque o mercado já não tinha mais ninguém para trazer.

Tinham ainda jogadores que chegaram com alto nível, mas não responderam. E eu acredito que foi mais a vontade de Deus mesmo para que a gente subisse. Mas aquele grupo era bom, um grupo unido. Merecia, sim, subir.

Afonso Ribeiro, coordenador da editoria de Esportes, e Iara Costa é repórter e colunista de futebol feminino(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Afonso Ribeiro, coordenador da editoria de Esportes, e Iara Costa é repórter e colunista de futebol feminino

OP - O time de 2002 foi o melhor que você jogou?

Erandir - De todos os tempos, sim. Pela união que tinha o grupo, uma amizade muito grande. Terminava o treino, a gente ainda ficava até 19 horas aqui no Pici, concentrávamos no Pacheco, um hotel simples, mas tinham as brincadeiras de baralho, ping-pong. O Jorge Mota até dava dinheiro para premiação de torneio (risos) e era um grupo fechado.

Quando a gente subiu, todo mundo raspou a cabeça, do presidente ao treinador, preparador físico. Só teve um jogador, que hoje até é careca e não raspou a cabeça, o Finazzi (risos). Até Mazinho Loyola, que tinha aquele cabelão bonito, ninguém perdoou. Nosso grupo era muito fechado. Até quando ia ter qualquer discussão, se fechava todo mundo. A união do grupo foi grande.

OP - Você falou do Clodoaldo, e o Angelim também foi um cara muito identificado com o Fortaleza. Como ele era no dia a dia?

Erandir - O Angelim era meu parceiro de quarto. A gente concentrou juntos durante cinco anos e tinha um gamão que a gente levava e passava a concentração brincando. Ele dificilmente ganhava. Dizia que ganhava, mas não (risos).

Mas é um cara tranquilo, que sempre teve a humildade dele. Foi um cara que a gente se deu muito bem por muito tempo nas concentrações e nos jogos. Às vezes tinha discussão, mas também a gente discutia porque sempre queria vencer, isso fazia parte do futebol. E às vezes a gente se encontra, começa a relembrar um pouco dos cinco anos que a gente viveu junto e ficou uma amizade.

 

 

OP - Você citou que o Fortaleza consegue coisas improváveis e o clube está em uma temporada ruim no futebol masculino. Como torcedor, crê numa reação?

Erandir - O torcedor, às vezes, fica chateado pela derrota, a gente fica triste, mas acredito que é o momento do torcedor abraçar o clube. Mesmo na dificuldade, mesmo na dúvida, o torcedor é importante nesse momento. Acredito que resta a possibilidade de o Fortaleza permanecer na Série A, então é importante que o torcedor vá para o estádio, incentive e, depois, que venha a cobrança.

Mas, até terminar o campeonato, até que tenha a chance do Fortaleza escapar, o torcedor tem que comparecer, não deixar para a última hora. Acho que, às vezes, o torcedor do Fortaleza está deixando muito para a última hora.

'Quando a gente vê o estádio lotado, aquela torcida incentivando do começo ao fim, você pode estar cansado, mas supera o cansaço'(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES 'Quando a gente vê o estádio lotado, aquela torcida incentivando do começo ao fim, você pode estar cansado, mas supera o cansaço'

Tem aqueles mais fiéis que estão indo para o estádio, que saem tristes, choram. Como torcedor e ex-jogador, a gente sente essa dor também, mas o mais importante é que o torcedor acredite e espere terminar o campeonato.

Quando a gente vê o estádio lotado, aquela torcida incentivando do começo ao fim, você pode estar cansado, mas supera o cansaço.

OP - Você passou muitos anos aqui no Pici como jogador e hoje tem uma estrutura totalmente diferente. Do que você lembra da sua época?

'Antes de ter saído, eu até tentei voltar para o Fortaleza, só que como eu estava há muito tempo parado, a diretoria não acreditou muito no meu retorno'(Foto: João Moura/Fortaleza EC)
Foto: João Moura/Fortaleza EC 'Antes de ter saído, eu até tentei voltar para o Fortaleza, só que como eu estava há muito tempo parado, a diretoria não acreditou muito no meu retorno'

Erandir - É outro clube. Na entrada você já vê. Tem um portão, a sala de troféus, que na época não tinha. O campo é dos melhores. Já rodei também vários CTs e, hoje, o Fortaleza não deixa a desejar em nada.

Até relembro que uma vez que a gente perdeu um jogo, torcedor entrou aqui com o cachorro ali no campo, nós, jogadores, naquela tensão... E quando eu cheguei para fazer avaliação, eram uns alambrados com muitos buracos, o gramado era daqueles de capim, tipo de barro. E hoje Fortaleza não deixa a desejar para nenhum clube do Brasil.

OP - Na reta final da carreira como jogador, você passou por clubes mais modestos, em que você era a referência por ser mais experiente. Como era a relação nesses clubes e qual era a realidade?

Erandir - Antes de ter saído, eu até tentei voltar para o Fortaleza, só que como eu estava há muito tempo parado, a diretoria não acreditou muito no meu retorno. Eu também tive uma desavença com um diretor na época que, se você me pergunta o que foi que eu fiz, não sei. Acabei indo pro Sousa-PB para que eu pudesse voltar para o mercado, para o Fortaleza ver que eu tinha condições, só que a coisa não andou.

Quando eu cheguei lá no Sousa, a gente começou o campeonato (Paraibano) até bem, empatando, mas o Roberto Carlos (técnico) pediu para sair. Quando ele pediu, pedi para voltar porque a minha filha estava nascendo, a Sara Rebeca, e eu preferi ficar em casa.

Aí, recebi um convite para ir para o Ferroviário. Antes de ir para o Ferroviário, eu passei pelo Horizonte também. Na época, o Horizonte tinha uma estrutura até legal para time intermediário aqui do nosso Estado. Fui no Guarany de Sobral também, mas a coisa não andou da forma que eu pensei e eu preferi sair.

E quando foi muita gente com quem eu joguei para lá (Guarany) — o Gaúcho, o Simão, o Rogério, aquela moçada toda —, eu tive um pouco mais de empolgação para ir para o Guarany. Só que, quando cheguei lá, a coisa não foi da forma que eu achei que seria, então pedi para sair.

Foi quando eu tive a oportunidade de vir para o Ferroviário, que estava na segunda divisão (do Campeonato Cearense). Eu vim para um projeto da (Taça) Fares Lopes, mas a gente acabou ficando fora. Nesse time tinha eu, o Juninho (Cearense), uma galera bem conhecida. Só que, no outro ano, era segunda divisão (do Estadual), o (Francisco) Neto, que na época era o diretor, pediu para eu ficar e, desse grupo, só quem ficou fui eu.

A gente formou um time com muitos jogadores desconhecidos, mas os caras tinham aquele respeito, carinho, a gente se fechou e acabou chegando até a última rodada para subir. Só que a gente empatou muito jogo, teve muito WO dentro da competição, e o Alto Santo ganhou a vaga.

'Mas sou um cara muito abençoado por Deus, porque, quando eu cheguei lá, não tinha estrutura. O campo estava todo batido de terra, academia não tinha e a gente sempre falava para todo mundo para não olhar para a dificuldade, olhar lá na frente. E foi o que aconteceu'(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES 'Mas sou um cara muito abençoado por Deus, porque, quando eu cheguei lá, não tinha estrutura. O campo estava todo batido de terra, academia não tinha e a gente sempre falava para todo mundo para não olhar para a dificuldade, olhar lá na frente. E foi o que aconteceu'

No que ele ganhou a vaga, no ano seguinte (2017) eles não participaram, e foi onde o Ferroviário entrou. A gente tinha 10 dias para começar o campeonato, entramos e acabamos fazendo uma campanha muito boa, chegando à final do campeonato, dando vaga para a Série D, Copa do Brasil, Copa do Nordeste. 

Mas sou um cara muito abençoado por Deus, porque, quando eu cheguei lá, não tinha estrutura. O campo estava todo batido de terra, academia não tinha e a gente sempre falava para todo mundo para não olhar para a dificuldade, olhar lá na frente. E foi o que aconteceu. Muitos jogadores daquele time desacreditado saíram para grandes times, para fora do Estado e para fora do Brasil.

 

 

OP - Você lembra dos perrengues que passou em situações que precisava contornar? Concentração, viagem, salários atrasados…

Erandir - Muita greve, né? Os jogadores querendo fazer greve porque não recebiam o salário e eu sempre falava: “Vamos, vai dar certo. Vamos ganhar um jogo que esses caras vão pagar a gente”. E os caras: “Não, não vou, não tenho nada em casa e não tem nem pasta (de dente) aqui na concentração”. Aí, eu falava: “O que que está faltando para ti?”, “Pô, minha esposa está me ligando para isso e aquilo”. Eu dizia: "Não tenho muito, não, mas eu vou te ajudar com isso aqui".

E, para o diretor, meu discurso era: "Vem aí, resolve aqui alguma coisa. Vem mesmo que seja mentir aqui, prometer” (risos). A gente ia, ganhava o jogo e, no outro dia, uma reunião. 

'Eu conheço futebol e sei que, quando tu chega numa certa idade, os caras não acreditam muito. Na época, a gente ganhou tudo isso e chegou um treinador que jogou comigo, que era o Marcinho (Guerreiro), mas o auxiliar dele começou a implicar comigo'(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES 'Eu conheço futebol e sei que, quando tu chega numa certa idade, os caras não acreditam muito. Na época, a gente ganhou tudo isso e chegou um treinador que jogou comigo, que era o Marcinho (Guerreiro), mas o auxiliar dele começou a implicar comigo'

Eu até digo para o presidente que, depois que eu saí de lá, as coisas desandaram. Estava na segunda divisão (do Campeonato Cearense), foi para primeira (divisão), (conseguiu) vaga na Copa do Nordeste, Copa do Brasil fez uma campanha boa.

E falei para ele um dia, foi bem engraçado, que eu ia chegar, a gente ia subir, ia para Copa do Brasil, Copa do Nordeste e, no ano seguinte, alguém iria me afastar. Ele negou e eu disse que sim.

Eu conheço futebol e sei que, quando tu chega numa certa idade, os caras não acreditam muito. Na época, a gente ganhou tudo isso e chegou um treinador que jogou comigo, que era o Marcinho (Guerreiro), mas o auxiliar dele começou a implicar comigo. Ele disse que não tinha problema nenhum comigo, mas acabou me afastando. Eu saí, depois até voltei, mas depois desse futebol de três meses, eu acabei me preparando para parar.

 

 

OP - Como surgiu o apelido de Popó do Pici? (risos)

Erandir - Eu sempre digo para todo mundo que, quando eu ia para o estádio, a gente saía lá do Pacheco, pelo lado da Serrinha, e vinham muitos torcedores a pé. Ver aquela coisa toda sempre me fazia querer dar o meu melhor em campo. De vez em quando, a gente exagerava (risos). E eu, quando entrava em campo, podia não estar bem tecnicamente, mas a minha vontade tinha que ser grande para vencer.

No começo, eu levava muito (cartão) amarelo, pois como eu tinha vindo de uma situação de ver os caras jogando no subúrbio, aprendia muita coisa, era muita vontade — para não dizer que eu batia muito (risos). E toda confusão eu estava envolvido.

'Os clássicos (contra o Ceará) eram os melhores que tinham. Quando eu ia para os clássicos, era onde eu me transformava'(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES 'Os clássicos (contra o Ceará) eram os melhores que tinham. Quando eu ia para os clássicos, era onde eu me transformava'

Os clássicos (contra o Ceará) eram os melhores que tinham. Quando eu ia para os clássicos, era onde eu me transformava. Todo mundo acha que eu fui muito expulso. Só que eu fui expulso só uma vez num clássico. Fui eu, Lúcio, Maxsandro e o Paquito, em 2004.

Eu fui expulso poucas vezes na minha carreira. Teve uma sequência grande no Brasileiro, mas eu não fui muitas vezes expulso, não, e no clássico só fui expulso uma vez mesmo. E olha que joguei muito clássico.

OP - Teve um episódio com Mota também, né?

Erandir - O Mota é um cara que hoje a gente até se dá bem, se encontra, e eu joguei com ele no Ferroviário. Mas ele era muito Ceará, e eu, muito Fortaleza. Ele soltava o braço, eu soltava o braço. Eu falava para ele: “Tu vai pegar”, e ele mandava para aquele lugar e acabou acontecendo o que aconteceu (Erandir fraturou o nariz de Mota). Mas hoje a gente se dá bem. Era bom. Jogar Clássico-Rei envolvia o Estado todo. Eram os melhores jogos, que você entrava para se destacar.

Erandir em entrevista na Rádio O POVO CBN(Foto: DANIEL GALBER/ESPECIAL PARA O POVO)
Foto: DANIEL GALBER/ESPECIAL PARA O POVO Erandir em entrevista na Rádio O POVO CBN

Lembro até que, no começo da minha carreira, o sonho era fazer um gol no final e fazer um gol no clássico. Fiz o gol no clássico. E, (na final do Campeonato Cearense) em 2008, eu fiz uma jogada que eu dei uma cavadinha e o Thiago tirou de cima da linha. Tem até o vídeo. Eu digo para todo mundo que foi gol, mas não foi gol, não (risos). O Thiago tirou e a gente foi campeão em cima do Icasa.

OP - Depois você acabou voltando para o Fortaleza como técnico do time feminino. Como foi a transição da carreira de jogador para virar treinador?

Erandir - Eu sempre tive uma ideia que tinha que parar de jogar futebol e começar uma nova carreira. Eu tenho um projeto e comecei a minha carreira dentro dele como treinador. Tem categorias do sub-8 até o sub-14 e, quando eu estava no Caucaia, o presidente me chamou para ser auxiliar do Vladimir (de Jesus) na época, então eu ficava no Caucaia e treinando meu projeto.

Quando o Vladimir saiu, assumi por três ou quatro jogos, e ele (presidente) até propôs para eu assumir a equipe no ano seguinte, só que eu falei que não estava preparado ainda. Tem que ter um processo para assumir um time profissional.

Aí, eu fui ser auxiliar do Roberto Carlos, e a gente fez uma campanha boa, chegou até a final do Campeonato Cearense. A galera até brinca porque, quando perdeu, a transmissão me pegou saindo e eu saio dando risada, mas era para o torcedor, porque gritou o meu nome.

E daí eu fui fazer o curso. Fiz um curso da CBF, fui fazendo currículo como treinador, comecei a estagiar e, de repente, surge o convite para vir pro Fortaleza, só na base.

Erandir conquistou o acesso em seu segundo ano a frente das Leoas(Foto: Iago Ferreira / Fortaleza EC)
Foto: Iago Ferreira / Fortaleza EC Erandir conquistou o acesso em seu segundo ano a frente das Leoas

Só que eu tenho muita emoção no coração. E chegar na base, eu tinha que mandar muitos atletas embora. E eu não gosto de mandar ninguém embora, porque às vezes você destrói o sonho de um garoto. No futebol é normal, só que eu não estava preparado para isso.

Um certo dia, o Irlando (Gomes, executivo das categorias de base da SAF do Fortaleza) me ligou perguntando se eu não queria vir para o futebol feminino. Falei para ele que em 10 minutos eu respondia. Ele até falou que tinha que ser rápido, aí eu fui, conversei com a minha esposa e ela falou que não tinha problema nenhum.

Era um desafio para mim, para a minha carreira. No começo, a coisa foi diferente porque a cobrança… A gente não sabia como seria por ser mulher, mas depois fui aprendendo como funciona a modalidade.

Erandir comanda o time feminino do Fortaleza(Foto: João Moura/Fortaleza EC)
Foto: João Moura/Fortaleza EC Erandir comanda o time feminino do Fortaleza

OP - No primeiro ano como treinador, você acabou não conseguindo o acesso ou o título estadual por conta de um gol e uma partida. Como se sentiu?

Erandir - Eu me senti arrasado. Queria parar de ser treinador no futebol, pois é muita cobrança. E eu me entrego muito, principalmente quando visto a camisa do Fortaleza. A gente teve dois jogos contra o Juventude (no mata-mata do Brasileirão Feminino A2 de 2024) e no primeiro, em casa, a gente acabou tomando um gol no finalzinho, do meio de campo, coisa que acontece muito no futebol feminino.

E, no jogo da volta, a gente fez um grande jogo, a equipe reagiu depois de um 2 a 0, teve possibilidade de empatar — um pênalti claro que que a juíza não deu — quando a gente ia entrar na cara do gol sozinho, mas a bandeirinha levantou, disse que não tinha visto nada porque lá tava tendo uma neblina muito grande.

Quando terminou, eu fiquei muito arrasado. A gente se recuperou para o Campeonato Cearense, fizemos uma campanha muito boa, tomamos só um gol dentro da competição e, poxa, quando o juiz acabou a partida, eu entrei no carro com a minha esposa, com meus filhos, fui para o Interior para deixar aquela adrenalina.

Passei muito tempo sem acreditar que isso tinha acontecido. Mas voltei. Voltei com mais força, com mais inteligência, entendendo mais as questões do futebol, e a gente formou um grupo bom.

Tainá foi autora do gol que consagrou o Fortaleza campeão da Copa Maria Bonita(Foto: Paulo Matheus/Fortaleza EC)
Foto: Paulo Matheus/Fortaleza EC Tainá foi autora do gol que consagrou o Fortaleza campeão da Copa Maria Bonita

As coisas de Deus são mais bonitas no final. Porque se a gente sobe contra Juventude, não ia ter a festa que teve no PV esse ano. No jogo que a gente teve contra o Minas Brasília-DF esse ano, fora (de casa), a gente ganhou de 2 a 1 e viemos pro PV, onde estava meu pai, minha família toda estava lá, a torcida do Fortaleza, o presidente, o diretor, todo mundo envolvido, a semana todinha envolvido. No final, o que Deus preparou foi mais bonito para essa conquista do nosso acesso.

E a gente poderia ter ido até mais longe se a arbitragem não tivesse atrapalhado a nossa equipe. Acredito que, no jogo aqui (contra o Botafogo), não foi pênalti. Foi duvidoso. E no jogo da volta, lá (no Rio de Janeiro), — vou ficar calado para não usar uma palavra maior —, aquilo foi feio.

Mas não tirou os méritos das meninas. Elas fizeram uma boa campanha, a equipe invicta ainda na competição. Agora é viver o Campeonato Cearense, porque a gente sabe que o Ceará está montando uma grande equipe, tem que estar atento a isso.

Fortaleza conquistou o título da Copa Maria Bonita(Foto: Paulo Matheus / Fortaleza EC)
Foto: Paulo Matheus / Fortaleza EC Fortaleza conquistou o título da Copa Maria Bonita

OP - O Fortaleza finalmente conseguiu o acesso que vinha buscando desde 2019. O que você fez para que o grupo conseguisse virar a chave?

Erandir - A gente tinha esse peso do “quase” dos anos anteriores, mas eu tirei isso das meninas e joguei mais para o meu lado. E lá atrás, numa primeira reunião nossa, o nosso diretor falou de sonhos e eu comecei a passar para elas sobre o sonho: meu sonho, o sonho de cada uma, o sonho do clube, de quem fazia parte do futebol feminino; que era o de subir para a Série A1. E elas entenderam. Essas meninas se dedicaram muito no dia a dia de treinamento.

Muitas vezes, a gente terminava o treino lá no no CT, já estava escurecendo, mas as meninas estão treinando e elas gostam de treinar.

O Fortaleza conquistou a classificação para as semifinais da Copa Maria Bonita diante do Confiança no dia 6 de outubro de 2025(Foto: Paulo Matheus/Fortaleza EC)
Foto: Paulo Matheus/Fortaleza EC O Fortaleza conquistou a classificação para as semifinais da Copa Maria Bonita diante do Confiança no dia 6 de outubro de 2025

Eu falei para elas que a gente vai fazer uma história dentro do clube que ninguém vai apagar. Quando a gente sobe, pode passar 10 ou 30 anos, mas vão saber quem subiu lá, quem era o treinador, quem era a goleira e todas as outras atletas que estavam lá.

OP - E você conseguiu uma coisa rara, que é ser vitorioso com o Fortaleza como jogador e como treinador.

Erandir - Eu falo para todo mundo que eu sou um cara abençoado por Deus. Ninguém é perfeito, mas onde eu cheguei, fui um cara vitorioso. As metas sempre bateram: no Caucaia, no Ferroviário, dentro do Fortaleza, no meu projeto e nos times pequenos também. Acho que isso é fruto da dedicação também do dia a dia de trabalho. E no clube do coração é especial. O Marcelo (Paz, CEO do Fortaleza SAF) falou que vai fazer um mural lá no CT Ribamar Bezerra. Aqui (no Pici) eu já estou, agora falta lá (risos).

'O primeiro ano foi difícil. Primeiro, a forma de falar com elas. Ainda mais eu que sou um cara muito forte, com nome forte no clube, elas tomaram um susto porque tinha uma conversa de eu ser mais zangado, um cara que grita muito'(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES 'O primeiro ano foi difícil. Primeiro, a forma de falar com elas. Ainda mais eu que sou um cara muito forte, com nome forte no clube, elas tomaram um susto porque tinha uma conversa de eu ser mais zangado, um cara que grita muito'

OP - Como foi entrar nessa realidade de ver que, no futebol masculino, você tem uma estrutura maior, mais completa, e no futebol feminino é mais enxuto?

Erandir - O primeiro ano foi difícil. Primeiro, a forma de falar com elas. Ainda mais eu que sou um cara muito forte, com nome forte no clube, elas tomaram um susto porque tinha uma conversa de eu ser mais zangado, um cara que grita muito. Mas, aos poucos, fui passando confiança para elas e isso foi fundamental.

Em termos de estrutura, essas meninas não têm uma (experiência de categoria de) base desde o começo. Elas têm essa dificuldade de acabar tendo que jogar competições de base no masculino porque não tem no feminino, às vezes treinam só com homem, então, para elas, essa dificuldade já começa aí.

Quando vem para a realidade, também são poucas competições. No Brasileiro foram poucos jogos, a Copa do Brasil só um jogo de ida, Campeonato Cearense também são poucos jogos. Para elas são poucos jogos e quando você vai montar o seu grupo, principalmente, é muito enxuto para você contratar também.

Também tem a parte de ter poucas informações das outras equipes, que são poucos jogos que são transmitidos. Mas em termos de hoje, o que o Fortaleza propõe ao futebol feminino, é grande. Elas têm academia, fisioterapia, alimentação no clube, um campo que dá qualidade de trabalho e tem evoluído muito. Tempos atrás, pelo que me falaram que era, eu vejo o Fortaleza como uma potência muito grande.


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OP - Você falou que precisou adaptar o jeito de falar com as meninas… Você é mais linha dura ou mais paizão?

Erandir - Eu uso os dois lados, né? Tem hora que eu dou o choque e depois tem que ser mais manso. Mas elas me entenderam, já. Exemplo: a gente ganhou o jogo agora de 9 a 0 (contra o The Blessed) no Cearense, e eu cheguei no vestiário e cobrei muito delas, porque eu sei que elas podem mais.

Eu sou assim, um cara que entro para competir, sou um cara que exige muito, que cobra muito mesmo. Tem horas que elas até falam assim: "Calma que vai dar certo, fica tranquilo". E eu falo: "Tem que ficar tranquilo? Beleza, vou ficar tranquilo”, mas tem horas que não dá para ficar tranquilo.

Mas eu aprendi muito também com elas. Em casa, eu tenho minha esposa, tenho três irmãs e agora tem a Sarinha, minha menina, e aí eu levei um pouco de casa para dentro de campo com as meninas.

'O ideal mesmo seria chamar o torcedor, fazer uma estratégia para que o torcedor pudesse estar presente'(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES 'O ideal mesmo seria chamar o torcedor, fazer uma estratégia para que o torcedor pudesse estar presente'

OP - Você falou da presença da torcida, mas, infelizmente, essa não é a realidade do futebol feminino. O que poderia ser feito para aproximar um pouco mais o torcedor?

Erandir - Acho que vai levar um pouco mais de tempo para isso acontecer, de o torcedor estar próximo, mas melhorou muito. O ideal mesmo seria chamar o torcedor, fazer uma estratégia para que o torcedor pudesse estar presente.

Muitas das vezes, os horários dos jogos e os locais não ajudam também, mas eu vejo uma evolução muito grande, vejo que antes não tinha o público que tem hoje. Se tinham 10 antes, hoje já tem 50. Aos poucos vai melhorando. E tem essa questão do torcedor acreditar mais no futebol feminino.

A própria imprensa também pode divulgar mais do futebol feminino, tirar pelo menos dois minutos para falar do futebol feminino, e ter mais competições. No Campeonato Cearense, a gente sabe que tem poucas equipes aqui, pela estrutura que é o futebol feminino, mas eu acredito que daqui um tempo vai, sim, evoluir.

A gente vê outros países aí que o mercado de futebol feminino é muito grande, lotam estádios, então a gente já vai logo ter uma Copa do Mundo aqui também no nosso País, e eu acredito que no futebol feminino, daqui a um tempo, os estádios vão estar mais lotados.

 

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OP - Como está o planejamento para 2026? Existe algum temor em relação a uma possível queda do time masculino, já que o futebol feminino depende do dinheiro do masculino?

Erandir - A gente tem que pensar, sim, em 2026, porque o futebol feminino é curto em termos de contratação. No próximo ano, a gente sabe que o nível de campeonato (Série A1) é muito grande, então você tem que se preparar antes para o próximo ano, já sair na frente de muitas equipes.

A questão de a gente ficar preocupado, eu tive até uma conversa rápida com o nosso diretor (Irlando Gomes), ele falou que ficasse tranquilo sobre isso, pois o planejamento do futebol feminino vai ser independente do Fortaleza (time masculino).

'Ficam umas atletas ou outras perguntando, e eu tento passar para elas que o projeto do futebol feminino vai continuar e vai continuar forte, porque às vezes, entre elas, ficam preocupadas com isso'(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES 'Ficam umas atletas ou outras perguntando, e eu tento passar para elas que o projeto do futebol feminino vai continuar e vai continuar forte, porque às vezes, entre elas, ficam preocupadas com isso'

Mas a gente sabe… Ficam umas atletas ou outras perguntando, e eu tento passar para elas que o projeto do futebol feminino vai continuar e vai continuar forte, porque às vezes, entre elas, ficam preocupadas com isso. Algumas delas já viveram isso. Tem umas três atletas que estavam no ano passado no Athletico-PR e, depois que o time (masculino) caiu, acabou o futebol feminino.

Mas eu falo para elas que vai ser diferente. As pessoas que conduzem o clube já têm uma ideia diferente, então que elas ficassem tranquilas para que isso não viesse a atrapalhar elas no dia a dia de trabalho e nos próprios jogos.

OP - É curioso que você e Erivelton eram jogadores e viraram treinadores de Fortaleza e Ceará, o Angelim tem um clube no Cariri também com time feminino. Vocês trocam ideia sobre a realidade do futebol feminino?

Erandir, técnico do Fortaleza Feminino, e Erivelton, técnico do Ceará Feminino, participaram do Esportes do Povo no estúdio da Rádio O POVO CBN(Foto: DANIEL GALBER/ESPECIAL PARA O POVO)
Foto: DANIEL GALBER/ESPECIAL PARA O POVO Erandir, técnico do Fortaleza Feminino, e Erivelton, técnico do Ceará Feminino, participaram do Esportes do Povo no estúdio da Rádio O POVO CBN

Erandir - Fizemos um trio (no Fortaleza) né? (risos) Quando a gente se encontra assim, coisa rápida, a gente troca uma ideia. E quando eu fui para o Fortaleza, na época, ele (Erivelton) tinha sido sondado para ir e eu perguntei a ele: “Como é o futebol feminino?” Ele falou: "Pô, cara, é uma coisa legal, vai ter uma dificuldade aqui nesse sentido, nesse outro, mas vai gostar. Só tem que ter cuidado porque tu é um cara muito bravo”.

Mas eu sou tranquilo. Às vezes as pessoas me conhecem só dentro de campo, não conhecem o Erandir de fora, mas ele desejou boa sorte. Com Angelim, a gente trocou umas ideias até legais sobre o futebol feminino também.

OP - Você mergulhou muito no futebol feminino quando começou a trabalhar no Fortaleza. Como enxerga o cenário no Brasil?

Erandir - O Brasileirão te dá uma estrutura boa de viagem, de hotel bom, com jogos em arenas e transmissão dos jogos, e acredito que vai evoluir muito. Hoje, você viaja dois dias antes, leva um estafe maior para as viagens. Tem igualado muita coisa com o futebol masculino. Isso é bom.

No Campeonato Cearense, acredito que a gente não tem um nível tão alto, mas são as meninas também que têm um sonho de chegar a jogar no Fortaleza, no Ceará, jogar na A1 ou na A2, e temos muitos talentos, principalmente na nossa região.

O Igor (Cearense) tem feito um trabalho muito bom na base. Eu aproveito muitas meninas da base no profissional. O Fortaleza tem colocado muitas meninas na seleção (brasileira) sub-17 e sub-20. É um trabalho que vem crescendo dentro do futebol nordestino. O Fortaleza é, do Nordeste, quem está colocando mais atletas do feminino na seleção brasileira. É um orgulho para nós.

OP - No trabalho de forma geral, é mais fácil lidar com as mulheres do que com os homens? Elas são mais fáceis de querer trabalhar?

Erandir - São diferentes. Eu vejo que as mulheres têm vontade de trabalhar, tem meninas que querem fazer algo mais. Enquanto tem muitos atletas masculinos que acham que já sabem tudo, né? A verdade é essa. Só que o cara chega no profissional, não consegue dar um toque na bola. Mas ele não quer terminar o treino, fazer um passe curto, não quer cabecear, pegar tempo de bola. As meninas já entendem isso.

Na questão de treinamento, as meninas demoram um pouco a entender o trabalho, mas, quando elas pegam, fica bonito.

'Eu vejo que as mulheres têm vontade de trabalhar, tem meninas que querem fazer algo mais. Enquanto tem muitos atletas masculinos que acham que já sabem tudo, né? A verdade é essa'(Foto: Paulo Matheus/Fortaleza EC)
Foto: Paulo Matheus/Fortaleza EC 'Eu vejo que as mulheres têm vontade de trabalhar, tem meninas que querem fazer algo mais. Enquanto tem muitos atletas masculinos que acham que já sabem tudo, né? A verdade é essa'

OP - Você citou o seu projeto social, Semear, algumas vezes… Como funciona, quantas crianças são, que tipo de trabalho é feito?

Erandir - O Projeto Semear tem já 15 anos. Comecei quando estava jogando ainda, no bairro. Levei o meu filho para a quadra e acabou chegando um, dois, três, quatro e acabou lotando. Naquele começo, eu falei que ia fazer o projeto e hoje ele tem revelado muitos jogadores para o futebol cearense, para o Fortaleza.

Fico feliz por isso, não só pelo futebol, até porque tem outros também que se formaram em Educação Física, que estão tentando Fisioterapia, até tem advogado. A gente sabe que nem todo mundo vai ser jogador, mas a gente tenta passar um pouco da experiência do que foi vivido dentro do projeto.

 

Já foi campeão de todas as competições que teve aqui no nosso Estado, na nossa cidade. Campeão cearense, da Seromo. E ele começa com 7 anos, no futsal. Aos 12 anos, a gente já está levando para os campos, coloca os jogos nas areninhas, treinamentos, e a gente tem feito um trabalho muito bom.

Hoje, como eu estou focado muito no Fortaleza, é minha esposa que conduz o projeto lá, junto com meu filho. É até engraçado que o projeto começou com ele e hoje ele é o treinador. São em torno de umas 180 crianças, mas, que já passaram, eu acho que mais de 500.

OP - Por tudo que te proporcionou, o que o Fortaleza significa para ti?

Erandir - Não tenho nem palavra, porque tudo que eu tenho agradeço a Deus, a minha família e ao Fortaleza. Falo para todo mundo que foi onde eu comecei a minha carreira, foi onde tive a educação. Foi onde, como homem, as pessoas mais me ensinaram. Tenho gratidão eternamente.

Realizei meu sonho de ser jogador de futebol profissional, fazer um gol no clássico, ouvir a torcida gritar meu nome, e acho que se eu devo muita coisa ao clube. O que eu puder fazer para retribuir, eu vou fazer, porque cheguei aqui com 16 anos e vivi a minha vida quase toda dentro de Fortaleza. Retribuí um pouco de tudo que que ele fez.

 

 

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