
O Brasil é, reconhecidamente, uma terra de paixões expostas. Futebol, música, carnaval e abraços demorados. O calor tropical parece exigir que vivamos tudo à flor da pele. E, se na esfera social, vestimos a camisa da discrição ou do bom humor inofensivo, é no recesso da intimidade que a fantasia se liberta e, por vezes, assume o volante.
A verdade é que a libido nacional é muito mais engenhosa do que a imagem pública sugere. Longe de se contentar somente com o arroz-com-feijão da intimidade, os brasileiros revelam um sofisticado cardápio de predileções.
De práticas que beiram o proibido a desejos de domínio e submissão, esta reportagem mergulha na cartografia oculta da libido brasileira, provando que, por aqui, o mistério não está na floresta, e sim entre os lençóis.

A sexualidade brasileira vive um momento de desmistificação. Um levantamento do Sexlog, maior rede social adulta do Brasil, e outro da empresa de produtos sexuais Pantynova, revelam que 79% das pessoas afirmam estar muito abertas a tentar novas experiências sexuais.
Neste cenário de maior liberdade, os cinco fetiches mais populares identificados pelo Sexlog entre seus mais de 22 milhões de usuários são, em ordem decrescente, o sexo anal, a orgia, a podolatria, o voyeurismo e a submissão.
Já uma pesquisa da plataforma de encontros sexuais Fatal Model, que entrevistou 164 mil respondentes, acrescenta a dimensão da contratação de serviços sexuais, revelando que 39,5% dos brasileiros têm interesse em contratar profissionais do sexo especificamente para realizar fetiches.
Os números obtidos pelo Sexlog apontam que o sexo anal é o fetiche mais popular entre seus usuários.
Em seguida, aparecem a orgia, definida como a relação sexual simultânea envolvendo três ou mais pessoas, e a podolatria, caracterizada pela atração intensa por pés, podendo variar da admiração estética ao desejo de ser dominado por eles.
O perfil geográfico revela que a preferência por esses fetiches varia drasticamente conforme a região do país.
Veja os fetiches mais comuns de cada estado
Nas regiões Norte e Nordeste, o sexo anal é a preferência dominante, com o estado do Ceará liderando o ranking nacional com uma preferência de 70%, seguido de perto pelo Amapá, com 69,9%.
Já o Sudeste e o Centro-oeste, por sua vez, divergem do padrão, com o sexo em grupo se tornando o fetiche dominante. O Espírito Santo se destaca, registrando 51,2% de popularidade para orgias, um dos maiores índices do país.
Em São Paulo, a orgia (44,65%) lidera, seguida por
Segundo a psiquiatra Carmita Abdo, professora da Faculdade de Medicina da USP, essa disposição para explorar o prazer coloca o brasileiro como um povo "altamente sexualizado e interessado nesse quesito".
Sobre o voyeurismo, a psiquiatra esclarece que observar um casal ou grupo em ato sexual, desde que todos concordem e estejam cientes, não é considerado voyeurismo patológico, mas sim "sexo sendo observado".

A análise dos censos indica que o interesse por práticas sexuais não só cresce anualmente, mas também se torna mais específico e diversificado, muitas vezes mediado pela tecnologia.
Mayumi Sato,
Ela credita essa mudança ao fato de que os brasileiros estão "compreendendo melhor seus desejos, aprendendo a nomeá-los e a buscar pessoas com os mesmos interesses nos lugares certos".
O crescimento das plataformas adultas é um termômetro dessa expansão: em 2024, o Sexlog registrou 2,3 milhões de novos cadastros, um aumento de 10% em relação ao ano anterior. O Sudeste (10,7% dos novos usuários) e o Nordeste (8,3%) lideram o crescimento regional.
Em números absolutos, São Paulo (SP) (115,1 mil novos cadastros) e Rio de Janeiro (SP) (61 mil) se destacam, mas o interesse se manifesta em todo o País, como mostra Manaus (AM), com 29,7 mil novos cadastros no mesmo período.
É nesse universo que surge Só para Fãs, a nova minissérie original do O POVO+, com lançamento marcado para esta sexta-feira, 28, na seção de Filmes e Séries do OP+.
Em três episódios, acompanhamos os relatos de Raiane, Jenny e Felipe, produtores de conteúdo adulto que dividem com o público os bastidores de trabalhar conciliando o prazer real com a realidade virtual.
Raiane, conhecida nas redes como Flora Winx, compartilha que um dos fetiches mais solicitados nas suas plataformas é o "ageplay", uma forma de encenação na qual um indivíduo age ou trata outro como se ele tivesse uma idade diferente da idade real.
"Com isso, comecei a ver que agir como uma 'menininha', como se fosse mais novinha, vendia mais a imagem que os clientes queriam comprar", relata.
Há também pedidos mais polêmicos. Fantasias sexuais envolvendo fezes e urina também costumam aparecer no chat, quando Flora Winx está nas transmissões ao vivo pela internet.
"Os assinantes pedem, às vezes, para me ver fazendo o 'número um' ou o 'número dois'. Em um atendimento presencial eu cheguei a urinar na boca de um cliente, mas o 'número dois', eu não consigo", diz a camgirl no terceiro episódio da série.

A compreensão da sexualidade e do prazer no Brasil atual é marcada por um paradoxo: uma crescente abertura e busca por autoconhecimento contrastada por um déficit histórico na educação sexual formal.
Apesar do tema ser considerado crucial para a sociedade, o acesso à educação sexual formal é baixo. Segundo o Censo do Sexo 2022, realizado pela Pantynova, um total de 43% dos entrevistados tiveram algum contato com a educação sexual.
O problema se aprofunda na qualidade dessa educação. As pessoas ouvidas informaram que os assuntos menos abordados em sala de aula foram: consentimento sexual, assédio e violência sexual, masturbação e diversidade.
Os temas mais discutidos se restringiram à gravidez, anatomia genital, puberdade, prevenção de doenças e como o sexo acontece.
A psicanalista Joana Waldorf comenta que tabus relacionados ao sexo persistem desde a Era Vitoriana, época marcada pela criação de regras rígidas de repressão sexual, especialmente contra mulheres cisgêneras. Essa privação, alerta, se reflete na vida adulta.
"O tabu em relação ao sexo causa desconhecimento acerca do próprio corpo, do funcionamento do órgão sexual e das zonas erógenas, o que, por sua vez, gera desconforto e insegurança e interfere diretamente na satisfação sexual", pontua.
Em contraste com a deficiência formal, a atitude da população perante a sexualidade revela uma tendência de libertação. Segundo o Censo do Sexo 2022, somente 44% das pessoas se sentem à vontade para falar sobre sexo com os amigos.
Em relacionamentos, o conforto é maior, com 74% dos casais dizendo estar confortáveis para falar sobre sexo e masturbação.
A psicóloga Regina Navarro Lins aponta que o sexo, em nossa cultura, é visto como "algo feio, sujo, perigoso", e críticas às tentativas de normalizar o debate são meramente uma forma de "desqualificar o debate".
Há um consenso entre os respondentes de que 95% acreditam que falar sobre o tema impacta positivamente a sociedade.
A sexualidade é vista cada vez mais como uma questão de bem-estar. A masturbação, por exemplo, é uma prática comum: 60% dos participantes se masturbam semanalmente, sendo a média de três vezes por semana.
Na cama ou nas redes, o desafio não parece ser explorar os desejos, mas garantir que a ousadia seja acompanhada de consentimento e livre de preconceitos, pensando, de maneira responsável, também com a cabeça de cima.

A nova minissérie original do O POVO+ terá três episódios lançados conjuntamente nesta sexta-feira, 28, na seção de Filmes e Séries do OP+. Conheça os bastidores da produção de conteúdo adulto pelo olhar de Raiane, Jenny e Felipe, criadores que usam a plataforma Onlyfans.
Acesse a coluna de Zenilce Bruno: colunista do O POVO+ é especialista em educação sexual e membro da Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana