
24 de outubro de 1945. Nascia a Organização das Nações Unidas (ONU), no rescaldo da Segunda Guerra Mundial. A entidade foi concebida por países que se reuniram voluntariamente para trabalhar “pela paz e o desenvolvimento mundiais”.
O objetivo crucial era evitar um novo grande conflito global.
24 de outubro de 2025. Em um cenário de guerras e enfraquecimento do
A entidade cresceu exponencialmente, mais que triplicou, desde os seus 51 estados fundadores em 1945 para os atuais 193 membros.
Este crescimento maciço dá pistas de que a organização alcançou avanços e protagonismos em diversos momentos da história.
80 anos depois, fica a pergunta: o caminho trilhado até aqui dá indícios de desgaste? Qual o papel da ONU como uma organização multilateralista e, mesmo assim, cada vez mais polarizada?

A ONU, por definição, não é um governo global, mas sim uma Organização Intergovernamental (OI) que serve a "uma cooperação de estados" soberanos.
Seu trabalho é planejado em torno de quatro objetivos principais, sendo o primeiro e principal "manter a paz e a segurança internacionais".
Outros objetivos incluem desenvolver relações amigáveis entre nações, cooperar na resolução de problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e ser um "centro destinado a harmonizar" a ação das nações.
A estrutura da ONU se assenta em seis órgãos principais, elencados no Artigo 7º da Carta das Nações Unidas: a Assembleia Geral (AG), o Conselho de Segurança (CS), o Conselho Econômico e Social (CES), o Conselho de Tutela, o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) e o Secretariado.
Conheça a estrutura da Organização das Nações Unidas
Olhando para este propósito fundacional, o professor de Direito Internacional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Lucas Lima, diz que, se considerarmos que a ONU serviu para evitar uma Terceira Guerra Mundial, “ela não fracassou”.
Para o docente, a Organização das Nações Unidas foi fundamental para auxiliar muitos Estados a “ganharem a própria independência".
Além dos seus objetivos iniciais de controle de paz e segurança, a Organização expandiu enormemente as suas competências para incluir temas cruciais como direitos humanos, meio ambiente, desenvolvimento, investimentos e comércio.
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Em 1947, o diplomata brasileiro
Além disso, o Brasil foi um dos pouquíssimos países a contar com mulheres na delegação da Conferência de São Francisco, onde foi assinada a Carta da ONU.
Bertha Lutz foi cientista, parlamentar e diplomata, e graças à sua atuação, e à da dominicana Minerva Bernardino, a igualdade de gêneros está inscrita como princípio na Carta da ONU.
O Brasil se destaca como um dos membros fundadores da ONU em 1945, o que, segundo a historiadora Carolina Aguiar, evidencia o seu "compromisso com a organização desde o princípio".
O País, desde 1955, profere o discurso de abertura do Debate Geral da Assembleia Geral das Nações Unidas.
“Esse fato, apesar de simbólico, lhe confere uma certa voz na organização”, aponta Carolina.
Em nota, o Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty) reafirma esse orgulho em ser membro fundador.
“O compromisso do Brasil é inequívoco em relação aos valores fundadores da instituição, como a defesa da paz, dos direitos humanos e da igualdade entre nações", diz a instituição.
O Itamaraty reconhece, ainda, os "incomensuráveis aportes da Organização ao longo de sua história em favor da paz, do desenvolvimento sustentável e de uma ordem internacional baseada no direito internacional".
Além disso, o Brasil tem um papel fundamental no nível prático. O país atua dentro da ONU por meio de várias agências especializadas, fundos e programas desde 1947.
Dentre os destaques, podemos citar as atuações no Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e na Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
O Itamaraty destacou que o país seguirá trabalhando para que as ações das Nações Unidas tenham impacto positivo "sobre o bem-estar e as condições de vida de populações em situação de vulnerabilidade".
Conheça as agências integrantes da ONU
Em pautas contemporâneas, o Brasil é visto como um “país-chave” para as questões climáticas e o desenvolvimento sustentável, principalmente devido à vasta porção da Amazônia em seu território.
Esse protagonismo, torna o País uma parte essencial para "atingir os objetivos climáticos e relacionados a um desenvolvimento sustentável".
A relevância do Brasil nesse campo é demonstrada, por exemplo, ao receber grandes conferências da ONU, como a Rio 92, e pela preparação para sediar a COP 30.

Apesar do reconhecimento da importância da ONU, o governo brasileiro defende que a entidade e seus órgãos passem por uma reforma profunda para enfrentar os desafios atuais e futuros.
O Itamaraty diagnostica o cenário atual como de "deterioração do multilateralismo, aumento dos conflitos internacionais e cortes ao financiamento de suas ações".
Para combater esta crise, a visão brasileira para o futuro da ONU é moldada pela ascensão de um mundo multipolar.
O Ministério das Relações Exteriores avaliou que essa nova configuração global deve ser acompanhada por um "multilateralismo renovado, fortalecido e legítimo, capaz de garantir um mundo ‘pacífico e justo’".
A pauta de reforma mais proeminente e histórica do Brasil diz respeito à sua participação no Conselho de Segurança (CS).
O Brasil subscreveu o projeto de resolução do G4 (Alemanha, Brasil, Japão e Índia) para a ampliação do CS, defendendo a expansão de 15 para 25 membros.
Essa demanda se baseia na necessidade de o CS refletir o atual quadro geopolítico, particularmente em termos de uma "maior representatividade geográfica".
No entanto, as fontes ouvidas pelo O POVO+ reconhecem a enorme dificuldade em concretizar essa reforma.
Um motivo tem a ver com a necessidade de modificação da Carta da ONU para ampliar o número de nações com assento permanente, um processo classificado como "bastante burocrático”.
O outro é mais político, uma vez que se avalia como “improvável” que os membros permanentes atuais demonstrem qualquer iniciativa de partilhar o poder.

Desde a sua criação, a Organização das Nações Unidas (ONU) tem desempenhado um papel central na defesa e promoção dos direitos das populações mais vulneráveis do planeta.
A igualdade de gênero é um dos pilares históricos da entidade: graças à atuação da brasileira Bertha Lutz na Conferência de São Francisco, em 1945, a Carta da ONU passou a incluir a expressão “igualdade de direitos entre homens e mulheres”.
Esse legado se reflete hoje na Agenda Mulheres, Paz e Segurança, que reconhece que a paz duradoura só é possível com igualdade de gênero.
Por meio da ONU Mulheres e de iniciativas alinhadas ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 5, a organização atua para empoderar mulheres e meninas e promover a equidade em todas as esferas da vida.
A proteção e o desenvolvimento das crianças também estão entre as prioridades da ONU.
A Convenção sobre os Direitos das Crianças, de 1989, define princípios fundamentais de sobrevivência, desenvolvimento, proteção e participação infantil, reforçando o compromisso de que “a humanidade deve à criança o melhor que tem para dar”.
Apesar dos avanços, o trabalho infantil ainda atinge milhões de crianças, e a ONU defende a educação como a principal ferramenta para prevenir a exploração e o tráfico infantil.
No campo do desenvolvimento econômico e social, a organização coordena esforços por meio do Conselho Econômico e Social (Ecosoc) e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
Iniciativas como os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e, posteriormente, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, consolidam o combate à pobreza e à fome como pré-requisitos para a segurança global.
A ONU também desempenha um papel humanitário essencial na proteção de migrantes e refugiados.
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) presta assistência a milhões de pessoas deslocadas, garantindo abrigo e proteção contra perseguições de natureza política, étnica, religiosa ou social.
Complementarmente, a Convenção Internacional sobre os Direitos dos Trabalhadores Migrantes e de suas Famílias amplia a proteção a todos os migrantes, documentados ou não, reafirmando que os direitos humanos são universais e indivisíveis.

Agora octagenária, a ONU enfrenta um panorama desafiador. A última década foi marcada por uma crise generalizada de organismos multilaterais e pelo aumento de conflitos.
Há uma certa descrença no papel da ONU, exacerbada por governos populistas, como o de Donald Trump.
No discurso propagado, é comum atacar as organizações internacionais, falando de "globalismo" ou de uma governança "que vem de fora" e tenta interferir na autonomia dos países democráticos.
O analista de comunicação política Amauri Chamorro destacou que Trump mantém um estilo de comunicação voltado a gerar impacto na opinião pública.
“Ele não é um líder que vai construir através do diálogo, é um líder da violência, da força bruta”, afirmou o especialista.
Para ele, o presidente usa a estratégia da economia da atenção. “O importante é que as pessoas estejam olhando e falando de você. E nisso Donald Trump é invencível.”
A organização também lida com problemas orçamentários, como o subfinanciamento de órgãos de direitos humanos, e o fato de os EUA serem o maior contribuinte financeiro histórico, mas em certos períodos demonstra menor entusiasmo pelo multilateralismo.
Em reconhecimento à necessidade de se repensar, a organização lançou a iniciativa ON80, um plano que pretende ser "a demonstração de consciência da organização de que ela precisa de reforma" e de que não representa mais o modelo atual da governança global.
Para Lucas Lima, a manutenção da ONU e seu funcionamento continuam sendo cruciais para um horizonte mundial melhor.
Carolina Aguiar concorda que, apesar do panorama desafiador, é importante "reivindicar esse espaço da ONU", que é essencial para lidar com guerras, novas pandemias e as drásticas mudanças climáticas.
Em uma mensagem à imprensa, o secretário-geral Kofi Annan resumiu a relevância persistente da entidade: "é muito melhor a existência dela do que não tê-la no cenário internacional".