Portugal, Suíça, Rússia e Equador são apenas alguns dos países de olho nas brazilian berries. E o açaí e a acerola cearenses são os mais cobiçados da vez. Seja como polpa de frutas, trazendo a atração dos gelados tropicais, ou para a fabricação de cosméticos, as variedades são apostas no Estado para dinamizar a economia local e fugir de intempéries como o recente tarifaço dos Estados Unidos.
O Brasil colhe anualmente quase 1,7 milhão de toneladas de açaí, sendo mais de 90% proveniente do Pará, maior produtor mundial da fruta, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em meio a números superlativos, o Ceará vê espaço para iniciar neste mercado.
A primeira safra de açaí do Estado ocorreu em 2022, em experiências que foram instaladas a partir de projeto de comercialização de sementes em Paracuru (90,61 km de Fortaleza).
Em 2024, um total de 75 hectares de açaí já está dando frutos no Ceará, especialmente no município de Limoeiro do Norte, principal polo produtor no Estado. No ano passado, foram mais de 600 toneladas.
Apesar do pioneirismo do Vale do Jaguaribe, quem mais tem investido em novas áreas para formação de açaí são os produtores da Serra da Ibiapaba.
Somente em Tianguá (a 318 km de Fortaleza), o Governo do Estado já mapeou 15 hectares de áreas em formação. Ibiapina (8 hectares), Ubajara (5 hectares) e Viçosa do Ceará (5 hectares) são outros com expansão da atividade.
Entre os produtores da Ibiapaba está Ana Paula Silva, que possui em sua propriedade, o Sítio Pejuaba, com 4 hectares de açaí e colheitas em andamento nos mais 10 hectares recém-plantados.
Animada com a experiência, ela conta que a produtividade da fruta na região é superior à média nacional, já que obtém cerca de 44 mil kg a 45 mil kg por hectare (kg/ha) anuais. No País, gira em torno de 40 mil kg/ha por ano.
Ana conta que há 11 anos mantém uma fábrica de polpas e, após comprar o terreno do sítio, viu que era muito alagado. Inicialmente, plantou açaí com intuito de secar o terreno, o que não ocorreu como esperado, já que há uma nascente no espaço.
A experiência, no entanto, rendeu um insight produtivo. Buscou contato com clientes do Pará e do Amazonas, familiarizou-se com a cultura do açaí e trouxe mudas diretamente da região amazônica. Após quatro anos, as primeiras começaram "a produzir muito bem".
A produtora rural conta que as colheitas agora são praticamente permanentes, a cada 20 dias. Isso demanda o trabalho de seis pessoas.
"Fizemos um estudo estatístico junto ao pessoal do Sebrae e a nossa produtividade fica acima da média nacional. E, diferentemente do Amazonas e do Pará, conseguimos ter colheitas mensais, imagino que seja pela capacidade de insolação", aponta.
A produção de açaí também é vista como ideal para ser realizada de forma consorciada com outras culturas. Na propriedade, Ana destaca que experimenta o café, sombreado pelo açaí, e avaliou o resultado como positivo. "O café ganha uma qualidade espetacular".
Outras opções já experimentadas ou citadas por Ana são o cacau e o milho.
O açaí da Ibiapaba se tornou sucesso de demanda, com o mercado local aquecido a partir das polpas e do potencial de exportação. Ana está em processo de capacitação e certificações para vender ao Exterior.
Ela conta que já recebeu cotações de países como Portugal, Suíça, Rússia e Equador. "Minha primeira missão de negociação ocorreu em agosto, na Espanha, onde participei de uma rodada de negócios. Desde o ano passado venho estudando", acrescenta.
Além da polpa de açaí, outros produtos estão sendo estudados para entrada no portfólio da marca. Um deles é o açaí liofilizado (açaí em pó), balinha de goma veganas, pré-treino de açaí, drágeas de açaí com chocolate e batata chips de açaí, com foco nos mercados vegano e fitness.
Nem mesmo a imposição de sobretaxas às frutas cearenses por parte do governo dos Estados Unidos deve impactar o desenvolvimento das novas culturas da Ibiapaba. A avaliação do secretário executivo do Agronegócio do Governo do Ceará, Silvio Carlos Ribeiro, é que a demanda de países da Europa, Ásia e mesmo do Brasil devem ser suficientes.
Silvio enfatiza que o Governo, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE), tem um trabalho em andamento para ajudar agricultores a entender mais sobre essas novas culturas de alto valor agregado.
Uma das "novas" culturas é justamente o açaí, destacada por Silvio como de grande potencial e com um mercado mundial impressionante.
Além da Ibiapaba, em propriedades localizadas em Viçosa, Tianguá e Ubajara, há iniciativas em Paracuru, e na região do Baixo Jaguaribe, como Limoeiro do Norte e Russas.
O gestor destaca que a SDE fez parcerias para fomento da atividade entre os produtores rurais cearenses, vista a possibilidade de combinação com a manutenção de outras culturas. Pesquisadores do Pará estiveram no Estado para trazer tecnologias e técnicas de cultivo.
"O açaí tem hoje um preço muito bom e alto rendimento produtivo, são 15 toneladas por hectare, e o preço que chega a R$ 4, R$ 5 o quilo. É uma boa fruta em termos de valores", continua.
Na comparação de rendimento por quilo, o valor obtido pelo açaí é comparável a culturas como o melão. O que diferencia a fruta de origem amazônica é sua alta demanda de mercado. Segundo Silvio, o valor pode triplicar quando vai para o processamento na agroindústria, sendo este o foco de muitas empresas.
A demanda internacional pelos chamados "brazilian berries", as frutas silvestres de origem brasileira, como pitanga, jabuticaba, acerola e o açaí, também é outro fator que anima.
Dentro desse contexto, nem mesmo o tarifaço desanima. Silvio pontua que inicialmente a demanda interna tem sido o principal foco dos produtores, principalmente na fabricação de polpa, o que ajuda a absorver a safra, apesar de haver interesse no mercado exportador.
"Todo o mundo quer açaí. Na Europa, Ásia... Então vai começando a ter uma perspectiva de crescimento sem se preocupar muito com essa questão. O foco agora é em novas tecnologias de produção", destaca Silvio.
Na região do Baixo Jaguaribe, experiências com acerola orgânica mudam o dia a dia de comunidades agrícolas e a introdução de união.
Somente por meio da Cooperativa de Orgânicos do Vale do Jaguaribe (Optar Orgânicos) cerca de 20 produtores cooperados foram responsáveis por 1,2 toneladas de acerola colhidas e comercializadas em 2024.
A Optar Orgânicos tem 34 produtores — alguns em fase de plantio, outros aguardando floração —, o que demonstra que a atividade está avançando na região.
Iran Arcino, presidente da cooperativa, destaca que desde o Baixo Jaguaribe, em Quixeré, passando pelo Tabuleiro de Russas, passando por Morada Nova até Aracati, existem produtores empenhados no orgânico.
Esses agricultores são base para uma agroindústria que movimenta milhões de toneladas de produtos, desde a polpa até a acerola verde transformada em vitamina C.
A cooperativa trabalha com a produção orgânica com certificação para três mercados principais dos mais exigentes do mundo: Europa, Estados Unidos e Canadá, além de atender o mercado brasileiro.
A imposição de tarifaço sobre as exportações brasileiras aos Estados Unidos — que impactou as empresas cearenses do setor de frutas — não mudou o dia a dia da Optar Orgânicos, que lida no fornecimento de acerola a essas empresas, algumas gigantes como Nutrilite e Itaueira.
"Hora nenhuma eles pediram para diminuir a produção, só falam do aumento da necessidade. Pelo que sabemos, o volume produzido atualmente não atende a necessidade das indústrias, então eles querem que aumentemos", afirma Iran.
Um dos produtores de acerola orgânica da Optar Orgânicos é Lairton Regis, que tem 10 hectares de acerola orgânica e outros 10 de coco orgânico plantados no Sítio Água Doce, em Russas (a 167 km de Fortaleza).
Lairton iniciou na exploração agrícola em 2011, após anos de trabalho no ramo da construção civil. Ele foi motivado após participar de um evento da Nutrilite , gigante do setor agro em Limoeiro do Norte. Para dar noção, a Fazenda Amway Nutrilite do Brasil, localizada em Ubajara (CE), é reconhecida como a maior fazenda orgânica de acerola do mundo.
A partir daí, tornou-se uma das pioneiras no modelo de cultivo de acerola orgânica, com a Nutrilite fornecendo mudas e cursos de capacitação.
O agricultor afirma que o que tornou a atividade rentável na região foi a estabilidade e o bom preço em comparação ao plantio convencional. Com o apoio da cooperativa, consegue despachar a safra para a indústria, apesar de emitir suas próprias notas fiscais.
Há ainda o diferencial da produção orgânica pelo fato de não utilizar químicos, adubos ou herbicidas, "focando na conservação do solo".
Lairton ressalta ainda a diversidade de usos e agregação de valor à acerola orgânica. Se madura, é transformada em suco e polpa.
Enquanto verde tem um leque de usos, como na indústria de cosméticos e farmacêutica, em sorvetes e como aromatizante. "Os japoneses, inclusive, apreciam muito o suco de acerola verde", acrescenta.
Para o produtor, a acerola foi muito importante na sua vida, pois o ajudou a mudar de carreira, da construção para agricultura, uma área da qual ele gosta mais. Destaca ainda que sua história não é única, mas parecida com muitos na sua região.
A cultura gera muitos empregos e uma boa renda, a partir da estabilidade de preços, sem quedas ou desvalorização, o que contrasta com a sazonalidade de outras culturas, que sofrem com quebras de safras ou preços.
Somente a partir do Sítio Água Doce são injetados aproximadamente R$ 150 mil por ano na economia local a partir do pagamento de colhedores de acerola, sem contar com os três funcionários fixos com carteira assinada da propriedade, estima Lairton.
Na região, a contratação ocorre por produção (pagamento pela quantidade de quilos de acerola colhidos). Lairton contrata pelo menos 30 pessoas por dia. São realizadas em torno de seis safras de acerola orgânica por ano.
A adesão dos produtores ao que há de mais moderno na exploração agrícola na fruticultura é um diferencial em relação ao restante do Estado.
Pesquisador da Embrapa Agroindústria Tropical, Lucas Lima afirma que a introdução tecnológica é um "fator-chave" e a agricultura irrigada é exemplo disso. Gráficos do IBGE revelam que a safra de sequeiro foi ultrapassada pela irrigada há anos.
A melhor assistência técnica é outro fator destacado, com a maior incidência de cultivos orgânicos ou com uso restrito de defensivos agrícolas, os agrotóxicos.
"Se pegarmos na história da Ibiapaba, houve um tempo complicado, com uso indevido de agrotóxicos, especialmente no tomate, pimentão e hortaliças. A chegada da Nutrilite mudou isso, ao implantar a acerola orgânica verde para vitamina C em pó."
Ele conta ainda que isso levou à reconversão de produtores, que deixaram de investir em hortaliças com agrotóxicos em prol dos orgânicos. "Depois, veio o cultivo protegido, primeiro com flores e depois expandindo para tomate e pimentão".
"Ou seja, houve incremento tecnológico e estratégico, com foco em sustentabilidade e redução da pressão fitossanitária. O clima da Ibiapaba ajuda, mas sem mudança tecnológica, teríamos seguido no mesmo modelo contaminante", complementa.
Reportagem seriada sobre culturas nobres em cultivo no Ceará