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Colégio Canarinho: a instituição que enxerga o ato de educar como uma grande aprendizagem
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Reportagem Seriada

Colégio Canarinho: a instituição que enxerga o ato de educar como uma grande aprendizagem

Uma família que há mais de meio século abriu as portas de casa para formar cidadãos, transformar pessoas e acolher gerações
Episódio 39

Colégio Canarinho: a instituição que enxerga o ato de educar como uma grande aprendizagem

Uma família que há mais de meio século abriu as portas de casa para formar cidadãos, transformar pessoas e acolher gerações Episódio 39
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A imagem de que um educador é o detentor de todo o saber cai por terra quando se ouve Célia Luna e Emília Luna falando sobre a tarefa de ensinar. Para a primeira, mãe e fundadora do Colégio Canarinho, educar é uma constância, que envolve formar cidadãos. Já Emília, atual diretora da escola, diz ser tão aprendiz quanto os pequenos estudantes da escola.

Inclusive, foi dentro dele que ela cresceu. E não só nas salas de aula. No pátio, nos túneis de brinquedo, entre as árvores, em dias úteis e nos fins de semana. É que ela é filha de Célia, senhora de fala tranquila que vê o ChatGPT (versão de assinante, claro) como um aliado.

Afinal, aos 80 anos, a fundadora do colégio pesquisa, pergunta, instiga e debate frequentemente com a inteligência artificial que carrega em seu bolso. Tal qual ela fez com a educação e o sistema de ensino de Fortaleza, há 55 anos.

Emília Luna representa a segunda geração do Colégio Canarinho(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Emília Luna representa a segunda geração do Colégio Canarinho

Ainda no quintal da sua casa, iniciou a sua própria “revolução”, já que “as escolas eram muito ultrapassadas”, relata. Para ela, sua inovadora forma de ensinar nada mais era que uma herança dos seus pais - outra geração de professores.

Enquanto Emília e os irmãos cresciam junto com o terreno do Colégio, seus filhos Leonardo e Gustavo acompanharam uma outra etapa, a de uma nova abordagem pedagógica. Porque a premissa de que educar é transformar é unanimidade entre eles.

Com a certeza de estarem no caminho correto, mas não linear, a diretora celebra o legado e uma nova etapa, com a recém-entrada de Gustavo na instituição. Ele, por sua vez, se orgulha das mudanças que há meio século a escola proporciona às pessoas e à educação fortalezense.

 

Sobre a empresa

 

E se Belchior entoava o famoso refrão sobre o fato de ainda vivermos como os nossos pais, a família Luna responde sobre suas paixões e se encanta com invenções. E contradizem o compositor: sonhar é tão bom (e necessário) quanto viver.

Conheça a trajetória da família que está à frente do Colégio Canarinho, pelo olhar de Célia e Emília Luna, fundadora e diretora, respectivamente.

 

 

 

O POVO - Dona Célia, o que fez a senhora seguir o caminho da educação? Por que fundou a escola?

Célia Luna - Eu fui filha de uma pessoa que era um educador nato. Ele era professor de física, meu pai. Minha mãe também era professora, embora não tenha exercido na época, mas eles dois eram de educação e eu fui criada nesse ambiente.

Eu fui pra faculdade de pedagogia sem pensar duas vezes, porque quis mesmo, e lá eu me encontrei, e nunca mais saí, nem imagino sair dessa desse meio, nunca mais. Até eu ficar gagá. Eu vou ficar sempre nesse mundo da educação. É muito gostoso.

A gente está sempre renovando, partindo para uma outra coisa, estudando. Eu estudo muito, eu digo pros meninos lá na escola que eu ainda estudo. ‘Você ainda estuda, tia?’ Eu estudo sim, pra gente poder acompanhar o tempo, né?

Filha de educadores, Célia Luna fundou o Canarinho em 1971(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Filha de educadores, Célia Luna fundou o Canarinho em 1971

OP - E por que fundar uma escola, não simplesmente trabalhar em uma?

Célia - Porque as escolas da época eram muito ultrapassadas, muito tradicionais, tinham até aquele púlpito, um piso (mais alto) diferente do aluno e eram muito escuras. E conservadoras na forma de trabalhar também.

Eu fui estudar os métodos de ensino da época e fiquei encantada com a escola ativa que era (Jean-Ovide) Decroly, (Maria) Montessori, (Jean) Piaget, esse pessoal todo estava incluído nesta escola para fazer uma educação diferente.

E comecei a me empolgar. De repente, eu criei um grupo para fundar uma escola, mesmo. Começamos em uma casa pequenininha na (rua) Pinto Madeira, pra gente começar, ver como era trabalhar com escola. Depois a gente foi ampliando e estamos hoje na (rua) Barão de Aracati.

Emília brincando do túnel, que até hoje está no pátio da escola(Foto: Acervo Pessoal/Divulgação)
Foto: Acervo Pessoal/Divulgação Emília brincando do túnel, que até hoje está no pátio da escola

OP - Quais são as principais diferenças de trabalhar com a educação infantil e o ensino fundamental?

Célia - Educação infantil tem muito o lado lúdico, embora o fundamental tenha também, mas num tom diferente. O infantil trabalha muito com o sensorial. Pegar, sentir as coisas do mundo. E o fundamental vem a partir disso, a gente vai construindo conhecimentos, da matemática, do português.

Sempre trabalhando como se a criança estivesse descobrindo, nesse sentido. Quando ela vai estudar o sistema numérico, por exemplo, ela descobre o sistema numérico. Não é uma coisa que vem de cima para baixo, como era na escola tradicional. E isso é muito difícil, porque a gente tem que formar o professor para isso.

As universidades nem sempre estão muito adequadas, nem todo professor da universidade trabalha nisso. E a gente está sempre nessa busca, dessa nova forma de trabalhar, como socioconstrutivismo, que é uma abordagem nova que a gente troca com aluno e intermedia esse conhecimento.

Em 1971, a escola começou com uma turma. Emília é a primeira do lado esquerdo(Foto: Acervo Pessoal/Divulgação)
Foto: Acervo Pessoal/Divulgação Em 1971, a escola começou com uma turma. Emília é a primeira do lado esquerdo

OP - A escola trabalha com projetos. Quando vocês começaram a adotar essa metodologia?

Célia - Por volta de 1980, 1990 a gente passou a ser o que a gente é hoje. Começamos com a metodologia montessoriana, mas a gente achou que era pouco para o que o mundo estava exigindo, um ser pensante, não quem só reproduz o que vê. É quem pensa, quem produz conhecimento.

Então a gente passou a adotar essa forma de trabalho que não é nem uma metodologia, mas uma abordagem pedagógica. A gente cria tudo em volta disso. E eu gosto do professor que trabalha também criando, porque se for um professor que só reproduz um sistema de ensino, fica muito fraco.

Pode atingir ou pode não atingir, porque ele não é o dono daquele saber, ele reproduz o saber de alguém. Então a gente faz questão que o professor crie a aula dele, saiba porquê está fazendo aquele trabalho. É muito mais interessante do que só reproduzir o sistema. Dá mais trabalho, mas o resultado é melhor.

Nos bastidores, mãe e filha falaram sobre o colégio, inteligência artificial e cuidados com a saúde(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Nos bastidores, mãe e filha falaram sobre o colégio, inteligência artificial e cuidados com a saúde

OP - Quais foram os maiores desafios que vocês enfrentaram em todas essas décadas de trabalho?

Célia - Ah, tem muitos desafios. Quando a gente muda um sistema que, aparentemente, está dando certo, as pessoas ficam muito preocupadas se funciona mesmo. A gente fez questão de ser pequena/média, não passar desse tamanho, embora a gente pudesse ter feito isso, mas foi uma opção nossa.

Porque trabalhar como a gente trabalha, só sendo uma escola pequena. E as pessoas vão saber se, de fato, está dando certo o que a gente está fazendo, na escola grande. Ela que vai dizer pro pai: “Fulano se deu muito bem nessa escola, foi quadro de honra”.

Sim, ele era isso mesmo. A gente sabia que ele ia se dar bem, e por que que você está dizendo isso? Aí a pessoa fica chateada, porque fica achando que o filho não sabia de nada porque estudava em uma escola pequena. Parece que o conhecimento fica pequeno quando estuda em escola menor.

Aos 80 anos, Célia atua diariamente no Colégio Canarinho(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Aos 80 anos, Célia atua diariamente no Colégio Canarinho

OP - Para você, o que representa ser uma educadora?

Célia - Representa formar uma pessoa integralmente, no sentido de ver a parte ética, artística, social da pessoa. A gente trabalha essa pessoa como um todo, não só levando conhecimento pronto para ela, mas fazendo ela pensar, fazendo ela refletir bastante.

Tudo que a gente ensina, chega a essa conclusão, que a gente tem que refletir com o aluno. Quando vem um menino que outro bateu nele, por exemplo, que é bem comum na escola, a gente pede a versão, para contar como foi. E fica ouvindo calado. Aí o outro vai, espera e depois ele fala.

E a gente vai intermediando, até que eles chegam à conclusão de que poderiam ter feito de outra forma. Isso demora uns 10, 15 minutos, mas, em compensação, eles vão sabendo fazer.

 

Melhor do que a gente dizer: “vamos punir por isso, por isso e por isso”. A gente vai sempre fazendo assim até conseguir transformar aquela pessoa.

OP - Como se sente quando olha para trás e vê a quantidade de pessoas que foram formadas pela senhora?

Célia - Ah, você não queira imaginar como isso é muito bom. Hoje mesmo eu vivi, como o nono ano terminando. E é uma turma perfeita, porque está com a gente desde pequenininho, quase todos.

E é uma emoção muito grande ver aqueles pais, aquelas famílias que confiaram na gente esse tempo, uma trajetória de vida. E a gente se emociona muito e gosta do que faz cada vez mais. Cada vez mais eu me empolgo com o que eu faço.

Gustavo, neto de Célia e filho de Emília, também atua no Colégio(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Gustavo, neto de Célia e filho de Emília, também atua no Colégio

Eu acho que eu escolhi o caminho certo, transformar pessoas, buscar, mudar o cenário educacional na cidade também. Hoje acho que muita gente pensa como a gente, depois da gente ter plantado uma sementinha.

OP - Como foi começar 50 anos atrás, já com esse pensamento? Como foi a aceitação dos pais?

Célia - É, a gente quebrou paradigmas no começo. E isso assustou um pouco as pessoas. Depois fomos aumentando o número de alunos, fazendo estudos e divulgando. O jornal O POVO ajudava muito a gente a divulgar o que fazia.

E aí depois tem os resultados das próprias crianças. Como eles eram, como eles gostam do ambiente escolar. como voltam com os filhos hoje para estudar com a gente. E tudo isso mostra que eles podem seguir qualquer profissão. Tem médicos, artistas plásticos, educador físico, advogado, dentista. É só a pessoa querer.

Não tem essa história de ser diferente porque estudou na escola A, B ou C, não existe isso. E hoje a gente é reconhecido na cidade por esse trabalho.

A família acredita que educar é compartilhar conhecimento(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS A família acredita que educar é compartilhar conhecimento

OP - Emília, você e seus irmãos cresceram dentro da escola?

Emília Luna - Na verdade, a escola era o quintal de casa, era onde a gente brincava. Nos finais de semana, vinham os garotos da rua brincar com a gente e o pátio da escola era o nosso quintal.

Então, de alguma maneira, meu corpo sempre esteve dentro da escola. E era a minha casa também, era uma extensão. Esse limite era muito tênue entre a minha casa e a escola, sempre foi.

OP - Pode falar um pouco sobre a filosofia da escola e da importância da relação entre família e colégio?

Emília - A gente é uma escola sócio-construtivista, que presume que essa criança que chega à escola não é um papel em branco. Ela já traz muitas experiências, mesmo dos primeiros meses, dos primeiros anos, essa criança está olhando e está experimentando esse mundo.

Emília, como aluna do Canarinho, durante festival de dança do colégio(Foto: Acervo Pessoal/Divulgação)
Foto: Acervo Pessoal/Divulgação Emília, como aluna do Canarinho, durante festival de dança do colégio

Esse saber vem com ela para a escola. E o que a gente propõe aqui, começa a partir do que a criança tem para oferecer dentro daquela situação, daquela pergunta, daquela experimentação. E ela vai ouvindo também o que cada colega vai experimentar.

E, logicamente, a intervenção do professor é para que aquela criança vá sempre além de onde ela está. Então, quando a gente traz uma leitura, um jogo, é sempre abrindo possibilidades para que ela construa outros conhecimentos, para que ela vá aprendendo e se desenvolvendo.

É sempre o mecanismo, a gente aprende e se desenvolve. A escola tem que ser um espaço onde possibilite essas crianças existirem com o arcabouço que elas têm e, de repente, tem um momento que o arcabouço da criança, ela nem sabe às vezes o que é dela e o que é do outro, porque as trocas são muito intensas.

Um fala uma coisa, o outro joga uma pergunta em cima, o outro traz uma afirmação, o outro chama para experimentar e ver o que aconteceu no experimento dele.

Daqui a pouco, aqueles saberes fazem parte de um grande saber. E a escola é isso, é espaço onde a gente aprende junto e cada um oferece o que tem naquele momento, que se transforma e está sempre sendo diferente.

OP - O que é educação para você e para o Canarinho?

Emília - Educação é possibilidade. Educação é a gente construir ferramentas, sustentações pra gente desbravar, desejar e dar sentido aos desejos. É o que eu sempre digo: é abrir possibilidades.

OP - Quais são os maiores desafios de estar sempre inovando, até “nadando contra a maré” do mercado?

Emília - Um dos desafios é a gente entender que, assim como as crianças, tem que ser estudante. Quando a gente entende isso, a gente se permite ter perguntas, a gente se permite pensar, olhar às vezes para o mesmo, com olhares diferentes. Exemplo: escrevo um texto, um bilhete. Quando eu volto e olho, falo: "Meu Deus, eu que escrevi isso?” Porque a gente já está num outro momento, com outro olhar.

Então eu acho que é isso que faz a gente inovar, porque as perguntas precisam também de novas respostas, precisam se fundamentar e uma marca muito forte do Canarinho é que a mamãe sempre traz essas perguntas: Por quê e para quê?

Emília Luna no pátio do Colégio Canarinho, que fez parte da sua infância também(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Emília Luna no pátio do Colégio Canarinho, que fez parte da sua infância também

Quando a gente tem essas duas respostas, o para que, “o que eu quero alcançar”, e o por que, “por que eu preciso ir por esse caminho para alcançar isso?”, a gente sustenta a coerência e percebe quando é incoerente quando a gente faz essas duas perguntas.

E aí que eu acho que é a inovação, é a gente estar sempre se refazendo, mas ao mesmo tempo entendendo quem somos nós. Para não entrar em uma onda que depois a gente não se reconheça mais. Eu acho que isso é o mais importante.

OP - Hoje, quais são os principais desafios de quem trabalha com educação?

Emília - Eu acho que a rapidez do mundo. Eu fui recentemente para um seminário sobre inovação na educação e o que se fala é que a gente está hoje formando alunos e daqui a 10 anos, mais da metade dos alunos vão estar trabalhando em profissões que ainda não existem.

Dos três filhos de Célia, Emília, Felipe e Rodrigo, apenas Emília seguiu os passos da mãe. Já Gustavo é irmão de Leonardo, que também não atua no Canarinho(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Dos três filhos de Célia, Emília, Felipe e Rodrigo, apenas Emília seguiu os passos da mãe. Já Gustavo é irmão de Leonardo, que também não atua no Canarinho

Há uma grande incerteza do que está por vir. Então que muda pra gente? A gente precisa formar crianças e jovens para estar no mundo que não se sabe como ele vai ser. A gente tem apostas. Então a gente tem sempre que perguntar o que a gente precisa formar nessas crianças e jovens para elas estarem neste mundo em transição.

OP - Seu filho entrou recentemente na escola. Como foi a preparação para essa nova etapa?

Emília - A entrada do Gustavo foi um pouco como a minha, no sentido de que a preparação é a própria história de vida da gente. Como a casa e o trabalho de alguma maneira se misturam também na família, a gente acaba participando muito das coisas da escola, só que de um outro lugar.

A nossa pergunta às vezes como criança é ouvindo o que os adultos falam sobre a escola, mas de alguma forma a gente vai criando pertencimento. Às vezes ele fazia um um comentário sobre um processo da escola e eu precisava lembrá-lo: “filho, você é aluno da escola, quem trabalha lá é a mamãe”

Gustavo passou por outras experiências profissionais, mas escolheu seguir os passos da mãe Emília(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Gustavo passou por outras experiências profissionais, mas escolheu seguir os passos da mãe Emília

Achava importante lembrar, para ele poder ser a criança da escola, mas de alguma forma ele adentrava. Ele via a mãe, a avó, o pai circulando aqui. Então o Gustavo sempre viveu imensamente isso aqui. Mas eu não queria que eles estivessem aqui porque eu estou aqui.

Eu penso que para cada geração vai fazer um sentido diferente esse legado. Eu fui por esse caminho porque eu tinha perguntas e o que eu buscava estava na escola e eu queria muito que eles tivessem a oportunidade disso ser uma escolha, dentre tantas outras.

Eu tenho dois filhos, um deles escolheu um outro caminho. O Gustavo escolheu a escola. Ele foi por um caminho, foi vivendo e eu acho que, no fundo, ele sempre teve esse desejo, mas ele precisava amadurecer até o dia que ele me chamou para um café e disse: "Mãe, eu tenho certeza do que eu quero. Eu venho contigo para a escola”.

Os avós e os dois netos, Leonardo e Gustavo(Foto: Acervo Pessoal/Divulgação)
Foto: Acervo Pessoal/Divulgação Os avós e os dois netos, Leonardo e Gustavo

Mas foi uma escolha dele. Claro que a vivência, a minha paixão, talvez de alguma forma tenha influenciado também, mas ele teve a oportunidade de escolher.

E, para mim, o legado nos constrói, mas ele também nos dá a opção da gente escolher, porque ele podia querer estar na escola de um outro lugar, talvez como pai, mas ele quis estar nesse lugar.

OP - E como foi a sua reação quando ele decidiu ficar no Canarinho?

Emília - Foi um grande presente, porque é uma aposta de que essa história, que foi construída com muitas mãos, com muito cuidado, com muita história, que ela possa continuar.

 

O nosso slogan de 55 anos diz: “Viver o tempo para estar sempre novo”. Não é fazer igual. Eu tenho muito medo da palavra tradição. Eu prefiro dizer que a gente tem algo que nos sustenta e que nos move. Dentro do que nos sustenta, que nos move, esse sonho vai se materializando de diferentes formas. Mas o sonho é o mesmo.

Meu avô era professor de física e a coisa que ele mais adorava era quando eu chegava para ele e pedia para me ajudar. Ele não me deixava usar fórmulas, ele queria que eu entendesse quais eram as relações de movimento, porque acontecia tal coisa, porque eu usava aquela operação.

O que ele estava desenvolvendo há 40 anos era o pensamento analítico, ensinando a entender as relações entre as grandezas. E é o que eu faço hoje, só que eu faço em um contexto histórico diferente, em um momento de mundo diferente.

Fachada do Colégio Canarinho, em 1973(Foto: Acervo pessoal/Divulgação)
Foto: Acervo pessoal/Divulgação Fachada do Colégio Canarinho, em 1973

A gente usa um termo na escola que é “em espiral”. A gente segue por caminhos, mas também para outros tempos e outros momentos. E eu acho que o que sustenta esse legado é isso. São os princípios, que são os mesmos, mas os caminhos vão se diversificando a cada história.

OP - Na sua opinião, qual legado que o Canarinho deixa pra sociedade e para a educação cearense?

Emília - Eu acho que o legado é que a vida é aprendizagem. Que o tempo que a gente passa aqui nessa esfera é um tempo de aprender, de crescer espiritualmente, cognitivamente, de se conhecer e crescer também socialmente. A gente entender que não vive sozinho, que deixa marcas um no outro.

Eu entendo muito que a existência da gente é construção de marcas, de lugares, de afeto. E é isso que a gente quer, que essas crianças possam existir, sonhar. Nesse tempo rápido, as crianças e os jovens, eu percebo que os sonhos não estão vindo mais com tanta potência.

Para Emília, quem educa também tem que ser sempre estudante(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Para Emília, quem educa também tem que ser sempre estudante

E eu acho que um grande desafio pra gente hoje é manter esse sonho e o desejo de fazer diferente nessas crianças e jovens. Que o sonho não se resuma ao consumo. Eu sei que a gente precisa disso também, mas que ele se resuma a mudanças, o que move o mundo? Mudanças. Alguém ou alguéns que queiram fazer a diferença.

OP - Qual foi a reação das pessoas quando você decidiu seguir os passos da sua avó e da sua mãe?

Gustavo Luna - Todo mundo sabia, até eu, que esse era o destino da minha vida, sendo que eu nunca quis aceitar sem antes ter a certeza. Mas todo mundo já sabia, a família, os amigos, todo mundo já sabia.

Sempre participei do colégio, principalmente a parte de eventos, nunca saí do colégio. Eu vinha de férias para cá, atender cliente, trabalhar no colégio, Sempre foi um caminho muito natural. Desde criança, eu sempre fui o gestor do colégio, mesmo sendo aluno. Tinham sempre que dizer: "Opa, seu lugar não é esse, mas vai lá pro seu lugarzinho".

Sempre fui muito indignado que a minha vida era só trabalho. Hoje a minha vida é só trabalho porque eu escolhi e eu sou do mesmo jeito. A gente só fala de trabalho. Dez, 11 horas da noite, de madrugada. Vai pro aniversário de alguém, tomando um vinho, em um casamento, numa festa. É só isso.

OP - Mas você gosta?

Gustavo - Eu adoro. Meus amigos de São Paulo começaram a ver as minhas fotos no Instagram do colégio. E toda vida eles me mandam um print, dizendo: “sempre soube”, ou: “100% realizado”, “Meu Deus, eu nunca te vi tão feliz”. Mas eu precisei desse tempo para parar, para ter a liberdade de escolha, apesar de eu já saber.

E eu não voltei na hora que minha mãe chamou para voltar. Eu ainda passei uns seis meses. Quando ela decidiu que era para eu voltar, que precisava de mim, eu já tinha decidido voltar. Eu já tinha feito tudo para voltar. Tudo. Já tinha pedido até as contas do trabalho em São Paulo para voltar.

E ela não sabia, ia me dar um ultimato. Quando a gente foi conversar, comecei a rir, já tinha até me matriculado em todos os cursos. A minha mulher já sabia, mas não contava pra ela, e me falava tudo que a mamãe tava dizendo.

Gustavo Luna atua hoje como coordenador de gestão do Colégio Canarinho(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Gustavo Luna atua hoje como coordenador de gestão do Colégio Canarinho

As pessoas falam que é uma vocação, mas para mim é tão natural! Meu pai é diretor financeiro do colégio e é professor da (Universidade) Federal (do Ceará). O pai do meu pai foi reitor da Uece, secretário de educação do município, professor universitário.

Os pais do meu avô, meus bisavós, são os dois educadores. A minha bisavó alfabetizou o Inhamuns inteiro. Pelo lado do meu pai, não tinha para onde eu correr. Pelo lado da minha mãe, igual. não tinha onde correr, educação. Pelo lado da minha mãe igual. Então para mim é muito natural, né?

OP - Como você recebe o Colégio da sua mãe e da sua avó?

Gustavo - Acho que não estou recebendo nada. E desde o dia que a minha mãe trabalhava grávida, eu já estava aqui. Eu nasci aqui dentro, fui aluno, fui estagiário, hoje eu sou gestor do Colégio.

 

Bastidores da entrevista

 

É que nem você perguntar dentro de uma floresta porque a semente caiu na terra e virou uma árvore. Eu acho que é natural. A minha avó deu fruto que foi minha mãe e que deu o fruto que fui eu. Uma árvore vai se espalhando e vão vindo as outras.

Espero um dia ter esse privilégio e ter também um brotinho meu, que cresça aqui dentro e que um dia se interesse por isso aqui de forma natural e que ame isso aqui do jeito que as três gerações amam.

OP - E quais são os planos pros próximos anos?

Gustavo - Muitos, principalmente falando em fundamental II, como a implementação da disciplina de tecnologia, muito muito pensada, com documentos internacionais, com a BNCC computacional e que ela vai se chamar tecnologia, usabilidade e reflexão, porque a gente não pode pensar no mundo, a gente não pode pensar cidadãos críticos que só usam ferramentas.

Eles têm que entender onde é que eles estão inseridos no tempo e no espaço e como é que eles vão fazer esse uso para tornar o mundo um lugar melhor, não um lugar pior. E que eles sempre se lembrem de que a ferramenta é só o meio, mas o que você vai fazer com ela é o que verdadeiramente importa.


Linha do tempo da história do Colégio Canarinho

 

 

 

Projeto Legados

Esta entrevista exclusiva com Emília Luna para O POVO faz parte da sexta temporada do Projeto Legados.

São cinco entrevistas com grandes empresários para contar a base que sustenta seus princípios, valores e tradições familiares que estão sendo passados para as novas gerações. E, ainda, o legado empresarial para o Ceará.

 

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