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O cientista e as abelhas: professor cearense inspira decisões no mundo e dá asas à ciência
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Reportagem Especial

O cientista e as abelhas: professor cearense inspira decisões no mundo e dá asas à ciência

Único pesquisador do Ceará na lista dos 107 cientistas brasileiros que mais influenciam decisões no mundo, o professor Breno Magalhães Freitas tem nas abelhas e na polinização o néctar de um saber que conecta pesquisa, produção sustentável e políticas públicas

O cientista e as abelhas: professor cearense inspira decisões no mundo e dá asas à ciência

Único pesquisador do Ceará na lista dos 107 cientistas brasileiros que mais influenciam decisões no mundo, o professor Breno Magalhães Freitas tem nas abelhas e na polinização o néctar de um saber que conecta pesquisa, produção sustentável e políticas públicas
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A ciência brasileira exerce um papel visível na formulação de políticas públicas ao redor do mundo. Do combate a epidemias ao debate sobre mudanças climáticas, cada vez mais pesquisadores têm saído dos laboratórios e salas de aula do Brasil para influenciar diretamente decisões que afetam milhões de pessoas no planeta.

O professor cearense Breno Magalhães Freitas, referência internacional na pesquisa de abelhas e polinização, é um deles.

Único pesquisador do Ceará na lista dos 107 cientistas brasileiros que mais influenciam decisões no mundo, o docente da Universidade Federal do Ceará (UFC) estuda os insetos há mais de quatro décadas e mostra, por meio da ciência, como as abelhas são importantes para o equilíbrio ambiental.

Breno Magalhães Freitas é professor titular do programa de pós-graduação em Zootecnia do Centro de Ciências Agrárias da UFC e foi incluído na lista de 107 cientistas brasileiros mais influentes em decisões globais(Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA Breno Magalhães Freitas é professor titular do programa de pós-graduação em Zootecnia do Centro de Ciências Agrárias da UFC e foi incluído na lista de 107 cientistas brasileiros mais influentes em decisões globais

Isso porque essas espécies vão muito além da apicultura tradicional — elas são responsáveis pela polinização da grande maioria das plantas silvestres e cultivadas no mundo.

Para produzir conhecimento sobre o papel vital das abelhas, o professor Breno Freitas pesquisa sobre temas como polinização de culturas agrícolas, criação e manejo de abelhas africanizadas, ameaças à saúde das abelhas e seus serviços de polinização devido à crise climática, aos desmatamentos e ao uso indevido de agrotóxicos.

Seu trabalho já serviu para embasar mais de 250 documentos de políticas públicas e tomadas de decisão em escala global, beneficiando as abelhas, seus habitats e a sociedade humana.

Entre os temas pesquisados pelo professor Breno Freitas estão a polinização de culturas agrícolas, criação e manejo de abelhas africanizadas e ameaças à saúde das abelhas e seus serviços de polinização devido às mudanças climáticas, desmatamentos e uso indevido de agrotóxicos(Foto: Acervo pessoal/Breno Magalhães Freitas)
Foto: Acervo pessoal/Breno Magalhães Freitas Entre os temas pesquisados pelo professor Breno Freitas estão a polinização de culturas agrícolas, criação e manejo de abelhas africanizadas e ameaças à saúde das abelhas e seus serviços de polinização devido às mudanças climáticas, desmatamentos e uso indevido de agrotóxicos

É o que aponta o relatório Os pesquisadores brasileiros que mais influenciam políticas públicas, da Agência Bori em parceria com a plataforma Overton.

Para chegar à lista, Bori e Overton identificaram pesquisadoras e pesquisadores brasileiros mencionados em documentos estratégicos, relatórios técnicos e pareceres usados por governos, organismos internacionais e organizações da sociedade civil — cada um com pelo menos 150 citações. Assim, foram mapeados 107 cientistas.

Juntos, os 107 pesquisadores brasileiros embasaram, com seus trabalhos, mais de 33,5 mil documentos de políticas públicas publicados desde 2019. Um quarto dos nomes (22) é da Universidade de São Paulo (USP).

O professor Breno Freitas, que é um dos quatro cientistas da região Nordeste que integram a lista, é engenheiro agrônomo e coordena desde 1996 o Grupo de Pesquisa com Abelhas na UFC.

Além dele, que representa o Ceará, há três pesquisadores da Bahia entre os nomes: Blandina Felipe Viana e Maurício Lima Barreto, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e Daniel Piotto, da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB).

Para estudar aspectos das mais de 20 mil espécies de abelhas conhecidas no mundo, o grupo criado por Breno reúne professores, técnicos e estudantes de graduação e pós-graduação das áreas de Agronomia, Zootecnia e Ciências Biológicas.

Há também parcerias com instituições nacionais e internacionais, como a Universidade Vale do Acaraú (UVA), a Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e a Queen’s University, no Reino Unido.

Para ele, o reconhecimento reflete a relevância da pesquisa feita no Ceará — e também os desafios da ciência fora do eixo Sul-Sudeste.

“Do Nordeste, só quatro pesquisadores foram citados. Isso não tem a ver com a capacidade dos nossos pesquisadores, mas com as oportunidades”, avalia.

Uma pesquisa do departamento de Zootecnia da UFC é referência na criação e manejo de abelhas nativas brasileiras e gerou a publicação do livro "Criação, multiplicação e manejo de abelhas nativas para a polinização agrícola no Brasil", de autoria do professor Breno Freitas e do zootecnista Antonio Diego Bezerra(Foto: Associação Brasileira de Estudos das Abelhas (A.B.E.L.H.A))
Foto: Associação Brasileira de Estudos das Abelhas (A.B.E.L.H.A) Uma pesquisa do departamento de Zootecnia da UFC é referência na criação e manejo de abelhas nativas brasileiras e gerou a publicação do livro "Criação, multiplicação e manejo de abelhas nativas para a polinização agrícola no Brasil", de autoria do professor Breno Freitas e do zootecnista Antonio Diego Bezerra

Breno defende que a ponte entre ciência, gestão pública e sociedade precisa ser fortalecida.

“Na Universidade a gente está dando aula, fazendo pesquisa e, ao mesmo tempo, fazendo a extensão na ponta de lá. Ou seja, é como bater o escanteio, correr e cabecear para fazer um gol”, compara.

“As informações estão produzidas e estão disponíveis. O que falta é o gestor, os órgãos públicos, os produtores rurais entenderem a importância da ciência e usá-la para decidir. Quando isso acontece, a sociedade inteira ganha”, argumenta.

 

Instituições com maior quantidade de pesquisadores influentes segundo o relatório Bori-Overton

 

As investigações coordenadas pelo professor Breno Freitas, que é PhD pela Universidade de Wales (Grã-Bretanha), abrangem desde o comportamento das abelhas até estratégias de manejo que favorecem a produtividade agrícola sem ampliar o desmatamento.

“Se você produz mais na mesma área, além de aumentar a rentabilidade, ajuda a preservar o ambiente, porque não precisa desmatar novas áreas para produzir mais”, afirma.

Para o pesquisador, o reconhecimento internacional vem da aplicação direta dos resultados das pesquisas.

Formado em Engenharia Agronômica e mestre em Zootecnia pela UFC, o professor Breno Magalhães Freitas tem PhD pela University of Wales, Grã-Bretanha, e é referência internacional em estudos sobre abelhas e sua aplicação na polinização agrícola(Foto: Acervo pessoal/Breno Magalhães Freitas)
Foto: Acervo pessoal/Breno Magalhães Freitas Formado em Engenharia Agronômica e mestre em Zootecnia pela UFC, o professor Breno Magalhães Freitas tem PhD pela University of Wales, Grã-Bretanha, e é referência internacional em estudos sobre abelhas e sua aplicação na polinização agrícola

“Os estudos sobre abelhas vão além da parte acadêmica e da publicação científica. Você pode utilizar aquilo para gerar políticas de conservação, de produção sustentável, de segurança alimentar”, explica.

Hoje, seus estudos sobre polinização de culturas como caju, melão, melancia, maracujá e soja inspiram políticas e práticas agrícolas mais conscientes.

“Algumas culturas são extremamente dependentes das abelhas. Se você não tiver abelha, você não vai produzir”, destaca.

A maioria das plantas cultivadas pelos seres humanos depende da polinização (realizada principalmente por abelhas) para produzir ou aumentar a produção de seus frutos(Foto: Grupo de Pesquisas com Abelhas/UFC)
Foto: Grupo de Pesquisas com Abelhas/UFC A maioria das plantas cultivadas pelos seres humanos depende da polinização (realizada principalmente por abelhas) para produzir ou aumentar a produção de seus frutos

Ele também chama atenção para os riscos que ameaçam as abelhas. “No Brasil, temos quase duas mil espécies, e muitas estão sendo afetadas pelo desmatamento e pelo uso inadequado de agrotóxicos”, alerta.

Para o professor, a falta de diálogo entre produtores e apicultores é um dos fatores que agravam o problema.

“O agrotóxico é feito para matar insetos, e a abelha é um inseto. Mas há maneiras de evitar o impacto — como não pulverizar durante a floração ou aplicar à noite, quando as abelhas não estão no campo.”

O engenheiro agrônomo cearense Breno Magalhães Freitas pesquisa sobre abelhas e polinização desde 1984 e criou, em 1996, um grupo de pesquisas na Universidade Federal do Ceará para desenvolver estudos relacionados a essas espécies(Foto: Acervo pessoal/Breno Magalhães Freitas)
Foto: Acervo pessoal/Breno Magalhães Freitas O engenheiro agrônomo cearense Breno Magalhães Freitas pesquisa sobre abelhas e polinização desde 1984 e criou, em 1996, um grupo de pesquisas na Universidade Federal do Ceará para desenvolver estudos relacionados a essas espécies

Com a pesquisa aplicada, Breno tem visto uma mudança de mentalidade. “Antes, era comum ver mortandade de abelhas em plantações de soja. Hoje, os produtores entenderam que a presença delas aumenta a produtividade em até 12%. Houve um diálogo e isso transformou o cenário”, conta.

 

 

Os pesquisadores brasileiros que mais influenciam políticas públicas

Compreender a presença e o impacto dos pesquisadores brasileiros no espaço das políticas públicas, além de reconhecer sua relevância, evidencia as áreas em que a ciência pode contribuir de maneira decisiva para os desafios de uma nação como o Brasil.

O relatório Bori-Overton busca revelar quem são esses cientistas e como eles moldam a agenda pública do País.

Segundo o documento, “não se trata apenas de medir produção acadêmica, mas de mapear impacto real: quais vozes da ciência são mobilizadas quando é preciso decidir sobre florestas, vacinas, economia ou desigualdade”.

Cesar Victora, professor emérito da Ufpel, lidera a lista de cientistas brasileiros mais citados em políticas públicas(Foto: Daniela Xu/Epidemiologia Ufpel)
Foto: Daniela Xu/Epidemiologia Ufpel Cesar Victora, professor emérito da Ufpel, lidera a lista de cientistas brasileiros mais citados em políticas públicas

O pesquisador mais influente identificado pelo relatório, que considera dados de 2019 a 2025, é o professor Cesar Victora, da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel).

Ele aparece em 1º lugar com mais de 3 mil citações em documentos de tomadas de decisão nas áreas de alimentação e nutrição.

“Fazer pesquisas que embasam e direcionam políticas públicas é o mais alto reconhecimento que um cientista pode receber da sociedade. Somente com políticas e programas baseados em evidência poderemos neutralizar a circulação de falsas e perigosas informações”, diz.

“Por exemplo, as recomendações (erradas) de tratar Covid-19 com cloroquina ou ivermectina, os alertas sobre os falsos riscos das vacinas ou os questionamentos sobre a própria existência das mudanças climáticas”, cita.

Os dados também evidenciam desigualdades: baixa presença de mulheres entre os pesquisadores do Brasil que mais influenciam políticas públicas no mundo.

Das 107 pessoas mapeadas, apenas 22 são mulheres, o que corresponde a 20,5% do total. Elas estão distribuídas em áreas como alimentação, nutrição, economia e finanças.

Já em outros temas tradicionalmente estratégicos para o País, como doenças não transmissíveis, doenças infecciosas, vacinas, ecossistemas e uso da terra, a presença feminina se reduz drasticamente.

O quadro se agrava em campos como clima e atmosfera, energia e transição, políticas públicas e governança e educação, onde não há mulheres entre os nomes destacados.

Alguns nomes ilustram a relevância dessa presença: Ester Sabino (USP), com forte atuação no estudo de vírus emergentes e papel fundamental durante a pandemia de Covid-19.

A pesquisadora e doutora em imunologia, Ester Sabino, trabalha no Instituto de Medicina Tropical da USP e membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC)(Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil A pesquisadora e doutora em imunologia, Ester Sabino, trabalha no Instituto de Medicina Tropical da USP e membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC)

Há também mulheres em destaque na análise específica sobre documentos relacionados ao ODS 13 (Ação contra a mudança global do clima). O relatório identificou os 50 pesquisadores brasileiros mais citados nessa agenda, que somam mais de 7.600 menções.

É o caso de Luciana Gatti (Inpe), citada no relatório “Forest and Ice Tipping Points in the Earth System”, publicado em 2025 pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), que alerta para os riscos de colapso de grandes sistemas naturais, como a Amazônia e as calotas polares, diante do aquecimento global.

É dizer que a pesquisadora está diretamente embasando os debates da 30ª Convenção das Partes pelo Clima (COP 30), ocorrendo até dia 21 de novembro em Belém (PA).

Ela também é citada em documento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), que apresenta indicadores técnicos sobre emissões e remoções de gases de efeito estufa.

Fachada do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), em Brasília(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil Fachada do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), em Brasília

Outro exemplo é Mercedes Bustamante (UnB), cujo trabalho embasou o “Workshop Report on Biodiversity and Pandemics” da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), de 2020, utilizado como referência em mais de 130 documentos de políticas ambientais globais.

Sua produção também foi citada em documento do MCTI, contribuindo para a consolidação de dados nacionais de mitigação às mudanças climáticas.

A maior parte dos 107 pesquisadores listados pelo relatório Bori-Overton tem trabalhos mencionados em documentos de tomadas de decisão sobre ecossistemas e uso da terra: entre os 107 nomes mapeados, 37 (35%) se destacam por concentrar esforços em temas que fazem do Brasil uma peça-chave no debate ambiental global.

 

Principais temas pesquisados pelos cientistas brasileiros mais influentes do mundo segundo o relatório Bori-Overton

 

Esses trabalhos tratam de desmatamento, conservação, restauração e do papel dos ecossistemas na regulação do clima e na oferta de serviços essenciais à sociedade.

“Estudos desenvolvidos no Brasil já tiveram repercussão nacional e internacional, sendo usados como referência por ministérios, organizações multilaterais e agências regulatórias em diferentes países”, aponta o levantamento.

Um exemplo é o trabalho de Cesar Victora sobre amamentação, citado em documentos de políticas públicas em países que vão do Reino Unido ao Uruguai.

Trabalho de Cesar Victora sobre amamentação é citado em documentos de políticas públicas em vários países(Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil Trabalho de Cesar Victora sobre amamentação é citado em documentos de políticas públicas em vários países

Seus estudos embasaram a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança no Brasil e ainda fundamentaram o relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre desenvolvimento infantil, que por sua vez impactou quase duas centenas de outros documentos em 21 países.

Outro caso é a pesquisa de Carlos Monteiro (USP), que influencia as políticas públicas de alimentação e nutrição a partir do Guia Alimentar para a População Brasileira e da classificação Nova de Alimentos, que divide os alimentos em grupos de acordo com o nível de processamento industrial que sofreram — e que cunhou o termo “ultraprocessados” no Brasil e no mundo.

Seus trabalhos foram incorporados em guias do Ministério da Saúde, em relatórios do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e em estratégias de governos da Europa, África, Ásia e América Latina, tornando-se referências centrais para programas de alimentação e nutrição em múltiplos contextos.

Fachada da sede da Organização Mundial da Saúde, em Genebra, na Suíça(Foto: Fabrice Coffrini/AFP)
Foto: Fabrice Coffrini/AFP Fachada da sede da Organização Mundial da Saúde, em Genebra, na Suíça

Para Ana Paula Morales, cofundadora e diretora da Bori, a incidência do conhecimento científico em tomadas de decisão passa pela comunicação do que é feito na academia.

“Quando a evidência é comunicada de forma clara e acessível, molda o entendimento público e capacita a sociedade a exigir decisões embasadas no conhecimento”, diz.

“Tornar a ciência visível não é apenas uma questão de reconhecimento — é expandir seu alcance e sua capacidade de transformar o cotidiano.”

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